José Alencar e o “chato” do governo Dilma

Ao longo dos oito anos em que Lula esteve na Presidência, seu vice José Alencar, falecido nesta terça-feira (29), exerceu com maestria o papel de “chato”, sempre a cobrar mudanças na política macroeconômica, em especial a queda da taxa de juros. Depois de três meses do governo Dilma, ainda não há ninguém no primeiro escalão que tenha o perfil (e nem o moral) para apontar certas contradições.

Esse vácuo permite que os movimentos sociais e as centrais sindicais sensibilizem a sociedade para a necessidade de mudanças. Se durante o governo Lula coube a um empresário-vice-presidente essa tarefa, já é possível afirmar que o Brasil está pronto para que a classe trabalhadora assuma tal responsabilidade.

A reabertura do diálogo entre o governo federal e as centrais sindicais, após certo desentendimento nas negociações pelo reajuste do salário mínimo, é um grande passo para que os trabalhadores se insiram definitivamente nos grandes debates político-econômicos da nação. Após esse avanço, é preciso agora ampliar gradativamente a influência dos movimentos sociais junto ao primeiro escalão, de modo a garantir que o país abrace a ideia de um novo projeto nacional de desenvolvimento.

José Alencar deixou o governo sem alterar uma vírgula de seu discurso contra a política macroeconômica, apesar de todas as pressões e tentativas de “cala-boca” sofridas, seja por parte de ministros, banqueiros e de parte da mídia, que sempre lhe ofereceu seus microfones com o intuito de causar intrigas com Lula, mas nunca se prestou a debater com seriedade temas como a queda dos juros, optando por apresentar o ex-vice como uma figura quase quixotesca, folclórica, bonachona.

O Brasil precisa de “chatos” que se contraponham ao discurso oficial da mídia, dos economistas conservadores de plantão, dos políticos de direita e do empresariado que insiste em se manter do lado oposto ao qual José Alencar se posicionava. Chatos que tenham a independência necessária para apontar os problemas que ainda limitam o crescimento e o desenvolvimento do Brasil, mas que também sejam capazes de apresentar alternativas reais para o país.

Diante de tal cenário, é preciso que as centrais sindicais e os movimentos sociais em geral não tenham receio de assumir esse papel. Nunca o Brasil precisou tanto de verdadeiros chatos. O discurso de uma voz destoante teve a importância de dar destaque à necessidade de se discutir um novo caminho para a política macroeconômica do país. A realidade mostra que serão necessárias algumas vozes a mais – e muito bem organizadas – para que o esse discurso seja colocado em prática.


Fernando Damasceno é subeditor do Portal CTB.

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