Roman Polanski em registro de thriller político. Gênero em que a trama enreda os personagens em suas teias e gruda o espectador na poltrona. Não é outro o enredo de “O Escritor Fantasma”, que o diretor francopolonês tirou da obra do jornalista inglês Robert Harris, “O Fantasma”. Denúncias de antigo aliado ameaçam levar ex-primeiro ministro britânico Adam Lang (Pierce Brosnan) ao Tribunal de Haia, como criminoso de guerra. Mas estes são os fatos visíveis, os ocultos envolvem a CIA (Central de Inteligência Americana) e o obscuro passado de sua mulher Ruth (Olívia Willians).
Com uma história explosiva como esta, que remete à operação montada pelo governo Bush, com a conivência do ex-primeiro ministro britânico Tony Blair, logo após o 11 de Setembro de 2001, Polanski mostra-se à vontade. O livro de Harris lhe permite tomar liberdades narrativas e ligar o espectador ao passado recente, cujas consequências vão se fazer sentir por décadas. Para Harris o que importa é o que Lang e Ruth ocultam; para Polanski o quê levou Lang à política e a tomar decisões condenáveis, como as de enviar soldados de seu país ao Iraque e Afeganistão e provocar a morte de dezenas de jovens de ambos os lados.
Como se trata de outro veículo, não o da literatura onde o leitor cria as imagens a partir das elaborações do texto, Polanski, usa o suspense e a linguagem cinematográfica para conduzir o espectador ao passado de Lang. O faz através do escritor de biografias (Ewan McGregor), cujo nome jamais aparece nos livros que escreve. Então, sua reputação jamais é manchada pelas mentiras ou falsificações do biografado. Menos por uma questão, em “O Escritor Fantasma”, ele, o Escritor, se move em direção à verdade dos fatos e se complica.
Passado de Lang vincula-o a operações subterrâneas
Quando assume a empreitada, os fatos que iriam enredá-lo já estão postos. Seu antecessor sucumbiu à própria tentativa de desvendar, de fato, o biografado. Assim, o escolheram por não se interessar por política e ser ligeiro em seu trabalho. É seguindo este figurino que tenta trabalhar na mansão de Lang em uma ilha estadunidense, vendo que sua tarefa não será tão fácil. O personagem que irá retratar é esquivo, superficial e pouco disposto a se desvendar.
O que lhe resta é um manuscrito que pouco serve para biografá-lo. No entanto, percebe que tem na mão uma bomba. O calhamaço de mais de 800 páginas deixado por seu antecessor adquire grande poder não pelo que conta, sim pelos códigos nele contidos. Levado de um lado ao outro pelo Escritor, disputado pelos inimigos de Lang, ele, o manuscrito, transforma-se num personagem aterrorizante do filme. Faz-se presente nas várias situações em que o Escritor se mete, tentando desvendar os mistérios que cercam a vida de Lang.
Suas buscas terminam por mostrar-lhe que servir ao ex-líder britânico é mais perigoso do que imaginava. Entende que não se pode ser isento quando se está diante de alguém cujas decisões provocaram massacres, fome, pobreza e ocultação da verdade. Aos poucos, ele é levado a tomar posição. Neste ponto vale a clareza de Polanski e Harris, seu co-roteirista, na condução da narrativa. Nada é alheatório, fora do lugar ou desligado da ação central.
Polanski opta por final de impacto
No entanto, a estranheza prevalece no isolamento de Lang, no comportamento obscuro de Ruth, no deslocar silencioso de sua assessora e amante Amélia (Kim Cattrall) e no ávido interesse do conglomerado editorial em obter altos lucros com a biografia do ex-primeiro ministro. As revelações que o Escritor vai trazendo à tona mostram um Lang temeroso de seu passado, das consequências de suas decisões e com medo de ser, de repente, julgado pelos crimes que cometeu. Polanski e Harris o desvendam como alguém que, sem poder, tornou-se prisioneiro de seus próprios dilemas.
No entanto, para o pai do jovem soldado morto durante a guerra no Iraque, isto não o isenta de punição. Desta forma, Polanski e Harris condenam sua subserviência a Bush. Mesmo caso de Tony Blair, que aderiu de pronto às mentiras de George Bush sobre o governo Saddan Hussein e acabou sob suspeita. Ambos deveriam, como indicam diretor e escritor, ser levados à Corte Internacional de Haia para ser julgados como criminosos de guerra.
No desfecho, porém, eles optam pelo recurso dos thrillers políticos dos anos 60/70 (“A Trama”), usando o executor solitário, ao estilo estadunidense. Diferente do livro, que faz alusões ao que Ruth seria. Preferiram dotá-lo de um impacto que reforça o poder da palavra e o funde com o da imagem. Recurso que não trai o teor do livro, pelo contrário o reforça. E lançam mão, ainda, de elipse, para que o espectador sinta o choque do que acabou de ouvir, não de ver. A cena é de puro horror e nem por isto menos emblemática. Tanto a palavra quanto a imagem são letais.
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“O Escritor Fantasma”. (“The Ghost Writter”). Drama. EUA/Alemanha. 2010.128 minutos. Roteiro: Robert Harris/Roman Polanski, baseado no livro de Robert Harris. Direção: Roman Polanski. Elenco: Ewan McGregor, Pierce Brosnan, Olívia Wilians.
Cloves Geraldo é jornalista e cineasta, dirigiu os documentários “TerraMãe”, “O Mestre do Cidadão” e “Paulão, lider popular”. Escreveu novelas infantis, “Os Grilos” e “Também os Galos não Cantam”