Francisco Freitas é um cearense de 50 anos que chegou em São Paulo aos 13. Operário vidreiro e militante de esquerda, desde fevereiro de 2000 está no Japão. Atualmente é vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos, Maquinários e de Informática do Japão.
Bati um longo papo com ele a respeito do cotidiano dos brasileiros naquele país. Vou tentar resumir as informações e opiniões do Freitas a respeito da saga dos 312.582 brasileiros (dados oficiais de dezembro de 2008) que vivem e trabalham no Japão. Antes, é preciso dizer que 46 mil voltaram ao Brasil, só este ano, devido à crise econômica.
Chama-se dekassegui as pessoas que “saem para trabalhar” no Japão, sejam eles estrangeiros ou do interior do próprio país. O relato aqui, portanto, refere-se aos dekassegui brasileiros, seus descendentes e familiares.
Os descendentes de japoneses de primeira geração são conhecidos como “issei”. Os da segunda geração “nissei”, da terceira “sansei” e, por último, os da quarta-geração, não reconhecidos pelo governo japonês, são chamados “yonsei”.
Esses dekassegui brasileiros concentram-se principalmente em Aichi (79.156 pessoas), Hamamatsu (51.441), Mie (21.688) e Guma (17.522). A grande maioria só fala português, não aprende o japonês porque no local de trabalho, nas escolas, nas igrejas, no comércio e nas atividades culturais e de lazer todos se comunicam em português.
Pela televisão paga ou pela Internet, eles assistem programas das Redes Globo e Record ou da IPC, televisão regional da comunidade brasileira. Tudo do Brasil é disponibilizado no Japão.
Lá tem escolas, shopping centers, padaria, açougue, lojas de departamentos, sorveteria, restaurantes e bares de propriedade de brasileiros e que vendem mercadorias e oferecem serviços tudo “made in Brazil”.
É possível se encontrar com facilidade desde as roupas da moda, exibidas pelas novelas, até a cachaça Ypioca, guaraná Antarctica, cerveja, além do famoso arroz com feijão, biscoitos, doces e por aí vai. A vida noturna vai até onze horas ou meia-noite, diferentemente daqui.
Os brasileiros formam a terceira colônia no Japão (chineses e coreanos são as principais) e são originários principalmente dos estados de São Paulo e do Paraná. Por isso, no futebol, só há três torcidas organizadas (Corinthians, São Paulo e Palmeiras). Eles assistem jogos em grupo, marcam campeonatos de futebol de campo ou futsal, formas de liberar a vida estressantes que levam no Japão.
Como aqui, lá também se multiplicam templos de todas as religiões, desde a católica até a Igreja Universal e outras denominações evangélicas e pentecostais.
Também há escolas de samba e um carnaval organizado por brasileiros em Tóquio, músicas de todos os tipos e frequentes visitas de artistas brasileiros por lá. Zico é idolatrado, tem até uma estátua dele em uma cidade.
Os japoneses são cortezes, a polícia é civilizada, mas o combate às drogas é implacável, não perdoa nem o usuário eventual. Recentemente, uma cantora foi e continua presa por estar portando cinco gramas de maconha.
Mas nem tudo são flores. Na verdade, quase tudo não são flores. Dessa grande comunidade, quase 54 mil são crianças, adolescentes e jovens, privados de uma boa educação. As escolas dirigidas por brasileiros são precárias, não há grade curricular e o nível dos professores, todos brasileiros, é baixo. O MEC homoloogou algumas escolas, mas o problema persiste. Teme-se que toda uma geração esteja apartada de conhecimentos básicos para a vida e atividade profissional.
Além da má educação, a saúde também é um problema. A minoria que tem seguro-saúde paga 30% pelas consultas, exames ou cirurgias (o governo complementa com 70%). Mas os preços são proibitivos e até os 30% arrancam o couro do cidadão. Pior: a maioria só tem acesso se pagar tudo, não existe um sistema único e universal de saúde público.
A tragédia maior é o mercado de trabalho. Os dekassegui brasileiros trabalham, em sua maioria, em montadoras e indústrias eletrônicas, com mão-de-obra intermediada por empreiteiras. O salário-hora básico é doze dólares, baixo para o alto custo de vida. Só ganham quando trabalham!
Embora a jornada de trabalho seja de oito horas diárias, cinco dias por semana acrescidos de dois sábados de trabalho por mês, a maioria dos brasileiros trabalha de doze a catorze horas diárias. As horas extras são necessárias para compor o orçamento.
Além disso, esses trabalhadores moram em apartamentos ou alojamentos dos patrões, pagando aluguéis proibitivos, agravados pelas altas taxas de água, luz e telefone.
Os imigrantes são considerados trabalhadores de segunda categoria, submetidos a um trabalho extenuante e rígida disciplina de trabalho, com menos direitos do que os trabalhadores japoneses. Enquanto estes gozam de férias e folgas remuneradas, os brasileiros, não.
Com a recessão no Japão, tudo piorou. Houve demissões em massa e alguns ficaram sem trabalho e sem teto, chegando até a morar debaixo de viadutos.
O governo japonês chegou a propor uma “ajuda” aos desempregados. Três mil dólares para cada trabalhador e dois mil para cada membro da família, com a condição de nunca mais voltar ao Japão.
Com os protestos, pressão internacional e até a intervenção do presidente Lula e do Itamaraty, houve uma pequena flexibilização. Quem sair do Japão recebe a ajuda e pode voltar depois de três anos. Cerca de dez mil brasileiros solicitaram o benefício, metade dos quais foi atendida.
Como é regra nos países capitalistas, na hora de alavancar a economia os imigrantes foram recebidos de braços abertos. Praticamente todos os brasileiros estão legalizados, com visto. Com a crise, veio o pé na bunda.
Há que se registrar a solidariedade dos sindicatos japoneses e outras organizações que procuram colaborar com os trabalhadores estrangeiros. Mas a situação não é fácil. A mulher trabalhadora imigrante, por exemplo, quando fica grávida, geralmente é demitida sumariamente.
Vivendo para trabalhar e não trabalhando para viver, embora de espírito alegre mesmo na adversidade, é dura a vida dos brasileiros no Japão. O pior é que não conseguem acumular recursos para viabilizar um retorno em melhores condições ao Brasil.
Muitos sonham em voltar. Este sonho não é tão forte porque a violência urbana no Brasil, praticamente inexistente no Japão, tem um impacto muito grande nos corações e mentes desses brasileiros. E as possibilidades de ter emprego aqui sempre são uma hipótese, nunca uma certeza.
Nivado Santana é Vice-presidente da CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil