Crise no império: ainda longe do fim


Embora a situação da economia mundial pareça estar melhorando, o comportamento do mercado de trabalho nos EUA sugere que a recessão ainda está longe do fim na maior economia do mundo, onde por sinal tudo começou. Entre julho e agosto o setor privado não-agrícola cortou mais 298 mil postos de trabalho, de acordo com levantamento da ADP Employer Services em conjunto com o Macroeconomic Advisers LLC, divulgado quarta-feira (2).

Foi o menor declínio desde setembro de 2008, sinal de que “as perdas de vagas estão claramente diminuindo”, destacou a ADP. Todavia, o emprego deve continuar diminuindo por mais vários meses, embora a uma taxa mais modesta, de acordo com os economistas da empresa.

Setores

Em agosto foi registrada a eliminação de 146 mil postos de trabalho no setor de serviços. No setor produtor de bens, houve corte de 152 mil vagas. No segmento manufatureiro foram eliminados 74 mil empregos, a menor redução mensal desde julho de 2008.

Em julho o setor privado demitiu 360 mil. O número acumulado de cortes desde janeiro atingiu 1,07 milhão, 60% maior que nos oito primeiros meses de 2008. “Eu diria que a tendência está melhorando, mas a economia norte-americana ainda está perdendo empregos”, afirmou Win Thin, estrategista sênior da Brown Brothers Harriman, em Nova York.

A relevância do emprego

Embora diferentes estatísticas (sobre encomendas à indústria, produtividade do trabalho, cotação das bolsas e lucros dos bancos) indiquem que o pior da crise provavelmente já passou, a verdade é que, embora os capitalistas exibam satisfação com a recuperação dos lucros (para eles, isto é tudo o que interessa) do ponto de vista da classe trabalhadora não há motivo para otimismo. As visões e perspectivas em torno da suposta recuperação certamente refletem o sentimento e os interesses das classes sociais.

Na realidade, enquanto o mercado de trabalho não reagir não se poderá falar em recuperação econômica, conforme admitiu o próprio presidente dos EUA, Barack Obama. O desempenho do emprego tem uma relevância ímpar como indicador das atividades econômicas. Além de refletir os impactos sociais mais perversos da turbulência, é o melhor termômetro para medir a saúde das economias.

O desemprego cresce quando a economia vai mal e declina quando os negócios vão bem, uma vez que o volume e o valor da produção dependem do tempo de trabalho gasto no processo de criação de mercadorias, assim como da produtividade. Se a produtividade do trabalho fica inalterada e o emprego cai, o volume e o valor da produção também recuam   

Cresce a exploração

Um relatório separado do Departamento de Trabalho apontou que a produtividade fora do setor agrícola dos Estados Unidos no segundo trimestre saltou 6,6 por cento na taxa anualizada, maior avanço desde o terceiro trimestre de 2003. Ao mesmo tempo, a produção e o número de horas trabalhadas caíram.

Uma vez que os investimentos estão em baixa nos EUA não será difícil deduzir que o crescimento da produtividade foi provocado, essencialmente, pela intensificação do ritmo de trabalho ou, em outras palavras, traduziu o aumento do grau de exploração da classe trabalhadora nos EUA.

“O número médio de horas trabalhadas pagas por empregado caiu em 7,6 por cento, mas o produto total caiu apenas 1,7 por cento. Isso foi porque os trabalhadores que não haviam (ainda) perdido os seus empregos estavam temerosos, de modo que trabalharam mais arduamente e mais depressa. Com menos trabalhadores empregados a fazerem mais, o BLS relatou um ganho de 6,4% na produtividade do trabalho estadunidense”, ressaltou o economista Rick Wolff (1).

Destino devastador

Um estudo publicado pelo diário The Wall Street Journal, citado pelo economista Zoltan Zigedy (2), revela como a concentração da renda nas camadas mais favorecidas da sociedade se agravou ao longo dos últimos anos. “Os 6% com pagamentos mais elevados – “executivos e outros empregados altamente compensados” – receberam mais de um terço dos US$ 6,4 bilhões de todos os salários dos EUA, mais 28% do que nos cinco anos anteriores”, sublinha. “Os investigadores advertiam que isto subestimava amplamente os rendimentos reais deste grupo, uma vez que os dados da SSA não incluem compensações adicionais tais como opções de ações. O artigo do WSJ (Top Earners’ Pay Is Seen Eroding Social Security) também destaca que a remoção do teto de rendimentos sobre a Segurança Social facilmente tornaria o sistema viável durante pelo menos 75 anos.

Deste modo, “a ´recuperação´ promete um destino ainda mais devastador para os trabalhadores. Até março deste ano, as remunerações estavam cerca de um terço mais baixas do que nos 12 meses anteriores segundo o Departamento do Trabalho. Analistas citados por The Wall Street Journal notam que estas remunerações são ´as mais baixas em décadas´”.

Reflexos no consumo

O desemprego também se revela um alimento para a recessão, transformando-se de efeito em causa desta, em função dos seus reflexos sobre a taxa de consumo, que nos EUA responde por 70% do PIB. Além de não produzir, o trabalhador desempregado perde renda e é praticamente excluído do mercado de consumo. Multiplicam-se, ao mesmo tempo, como se pode verificar na crise americana, os incumprimentos de contratos e inadimplências (com cartão de crédito, empréstimos hipotecários, etc.), adicionando novos problemas para o combalido setor financeiro.

A consequencia de tudo isto pare a macroeconomia é fortemente negativa e diz respeito não só à sociedade norte-americana como ao conjunto da chamada economia mundial. O consumo parasitário dos EUA, especialmente dos indivíduos mais ricos, supera os meios (a renda) que o país produz e, por esta razão, tem sido bancado por um endividamento crescente e é refletido no déficit comercial e na escandalosa necessidade de financiamento externo.

O consumismo exacerbado e o modo com que os EUA financiam o déficit em conta corrente, recorrendo aos empréstimos dos asiáticos, moldou o atual padrão de reprodução do capital em âmbito internacional. Em certo sentido, a posição de Tio Sam como consumidor de última instância (que manteve até agora graças à hegemonia do padrão dólar) respaldou a expansão da economia mundial nos últimos anos e sustentou a superprodução da indústria chinesa dedicada à exportação.

Mudanças

A crise econômica colocou tudo isto em xeque, forçando um singular “ajuste externo” da economia dos EUA, através de uma forte redução do consumo e do déficit em conta corrente, o que também resultou na elevação da taxa de poupança interna, que era zero, para cerca de 7% do PIB. Diminuiu também a propensão dos asiáticos de continuar adquirindo títulos públicos emitidos pela Casa Branca.

Alguns observadores acreditam que o padrão de consumo parasitário (o badalado american way of life – estilo de vida americano) ficou para trás e não volta mais. Isto provavelmente significa que doravante o mercado americano terá menos relevância para o crescimento mundial, o que tem a ver com a ascensão da China (agora a maior parceira do Brasil) e outras economias ditas emergentes.

Se os fatos confirmarem esta tendência novas mudanças serão inevitáveis. Os exportadores do planeta terão de encontrar outros mercados e fontes alternativas de consumo para realizar o capital gerado no processo de produção que circulava predominantemente em torno do déficit comercial dos EUA. Não é por outra razão que os chineses decidiram estimular o mercado doméstico, o que manteve a expansão da indústria apesar do acentuado declínio das exportações. Na realidade, por trás da crise cíclica de superprodução insinua-se algo bem mais perturbador no cenário internacional: a crise da hegemonia americana.

Nota

1- Rick Wolff é Professor de Economia na Universidade de Massachusetts (EUA). O BLS a que ele se refere é o Bureau of Labor Statistcs do Departamento do Trabalho americano. O trecho citado foi extraído no artigo intitulado “A realidade por trás da ´recuperação´ econômica”, reproduzido no Portal CTB http://portalctb.org.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=6765&Itemid=17

2- Trechos extraídos do artigo “Recuperação: uma questão de classe”, publicado no sítio resistir.info


Umberto Martins é jornalista e editor do Portal CTB

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