Em entrevista publicada no Brasil de Fato, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, advertiu que "se as armas voltaram às mãos da direita para derrocar presidentes reformistas, então os povos também têm direito de voltar a buscar soluções nesse caminho"
O presidente afirmou que seu governo é de ''centro-esquerda'' e defendeu que o golpe foi motivado pelos que se opuseram às mudanças sociais iniciadas por sua gestão, que pregava a participação popular. ''O temor de que o povo se organize'' foi o motivo para a investida militar, avaliou.
O governo dos EUA criticou sua decisão de tentar voltar ao país sem um prévio acordo com o governo golpista. Qual sua opinião?
Dei todas as tréguas. Fui extremamente tolerante, esperei e apoiei todas as decisões tomadas pela comunidade internacional. Aceitei o que disse a Secretária de Estado [estadunidense, Hillary] Clinton.
No entanto, os golpistas continuam reprimindo o povo, violando os direitos humanos da população, apropriando-se de recursos que não lhes pertencem, usurpando a soberania popular, traindo os poderes do Estado.
Me tiraram de casa em uma madrugada a balaços, amarrado. Nunca me acusaram formalmente em uma demanda judicial, nunca fizeram acusação anterior. Agora inventaram acusações contra mim, minha família e meus ministros. Os militares falam de democracias, mas quando alguém emite uma posição contrária, é declarado comunista, perseguem e dão um golpe de Estado. A elite hondurenha é extremamente conservadora.
O senhor não pôde entrar em Honduras como previsto. O que pretende fazer?
Mantenho o chamado ao povo hondurenho para que venham à fronteira. [O Exército impede que os manifestantes cheguem à zona fronteiriça]. São só 12 quilômetros entre El Paraíso [último ponto de bloqueio do Exército] e Las Manos. As pessoas podem vir caminhando, a polícia não vai deter. E também há outras possibilidades. Tenho dois helicópteros e posso aterrizar em qualquer lado.
Quais foram os fatores determinantes que desencadearam o golpe de Estado?
Honduras é a terceira economia mais pobre na América Latina. De cada dez hondurenhos, oito vivem na pobreza e três vivem em pobreza extrema. Acredito que uma sociedade que vive assim há pelo menos um século deve ser analisada para a promoção de mudanças. E essas mudanças estão relacionadas com a forma de estabelecer o sistema de governo.
É evidente que as elites econômicas, que são privilegiadas por essa situação, pelo status quo, não querem essas mudanças. Então, a única maneira de promover mudanças em Honduras é ampliar os espaços de participação cidadã, os processos de participação social. Apontei isso e os oligarcas me declararam inimigo da pátria; e começaram a conspirar contra mim.
Aumentei o salário dos trabalhadores, tentei incorporar a reforma agrária, abri as portas ao socialismo do Sul e isso foi considerado um delito. Tudo isso contribuiu para que a oligarquia econômica – apoiada pelos velhos falcões de Washington, como Otto Reich e Robert Carmona, e alguns congressistas estadunidenses – começassem a conspiração que resultou no golpe.
Mas se equivocaram. Pensaram que seria fácil como no século 20, quando em 48 horas os golpistas conseguiam dominar o povo. O povo agora já leva 28 dias nas ruas, reclamando, dizendo que não aceitam esse golpe. A comunidade internacional também mudou. Já não aceitam golpes de Estado, porque realmente são ilegítimos, são um retrocesso, é a volta da força sobre a razão. É a volta da violência sobre as urnas. Isso provocou o golpe. O temor às mudanças, temor ao que o povo se organize.
A imprensa hondurenha o compara com o presidente Hugo Chávez. Como o senhor define seu governo?
De centro-esquerda. De centro porque apoiamos o liberalismo econômico e de esquerda porque apoiamos processos sociais, socialistas. Busquei um meio termo. Mesmo assim me declararam inimigo das elites econômicas, precisamente porque aumentei o salário mínimo dos trabalhadores.
Me parece injusto que me deem um golpe de Estado porque estava fazendo uma consulta pública para ver qual era a tendência do povo em relação aos processos de participação cidadã. É ridículo o que aconteceu, o mundo está rindo dos golpistas, ninguém reconhece suas ações.
Muitos consideram que os EUA adotaram uma postura dúbia nesta crise. Condenou o golpe, porém não aplicou sanções econômicas ao governo de fato de Roberto Micheletti. Qual sua avaliação?
O governo de Barack Obama tem sido congruente com uma diplomacia multilateral e deu demonstrações de querer resolver o problema. Mas não ocorre a mesma coisa em outros grupos de poder dos EUA. Eles sim estão apoiando o golpe, a velha guarda dos conservadores está apoiando o golpe. Obama não. A secretária de Estado Hillary Clinton foi clara. Mas nos EUA há muitos interesses políticos e econômicos e há muita gente sectária, que querem impor sua ideologia.
O senhor busca retomar o poder, porém, até agora, Micheletti tem reiterado que não acatará a determinação da Organização de Estados Americanos (OEA) de restituí-lo ao cargo. O que pode significar esse precedente para a América Central?
Este golpe mata a força da soberania popular. Isso abre um precedente no sentido de que se as armas voltaram às mãos da direita para derrocar presidentes reformistas, então os povos também têm direito de voltar a buscar soluções nesse caminho, coisa que não desejamos. Primeiro, dizem à população que há que votar e que a democracia é seu direito, e agora as armas voltam a atacar a democracia. Isso não se pode permitir. Há que lutar contra isso.
Com as Forças Armadas, Congresso e empresários sustentando o golpe, o que o senhor pretende fazer para recuperar o poder?
Me manter firme.