Quando a grande crise econômica do capitalismo eclodiu, governos e propagandistas do sistema apressaram-se a despir as camisas que até a véspera envergavam. De grandes arautos do capitalismo selvagem passaram repentinamente a críticos verbais da «ganância», da «cultura de risco», dos «excessos» que, diziam, estavam na raiz do colapso. Em declarações e cimeiras prometeram profundas mudanças. Mas – advertiam – primeiro era preciso travar o descalabro. Muitos milhares de milhões foram entregues pelos estados ao sector financeiro – o principal responsável pelo buraco. E o que mudou?
Uma das maiores instituições financeiras – e também um dos maiores viveiros de governantes – dos EUA é a Goldman Sachs. No ano passado recebeu 10 mil milhões de dólares de dinheiros públicos. Agora, proclama lucros recorde no segundo trimestre de 2009, e decidiu distribuir 6,65 mil milhões de dólares em gratificações aos seus 29 400 funcionários (Bloomberg, 14.7.09). Alguns indivíduos vão meter ao bolso milhões de dólares, só neste trimestre. Escreve a Bloomberg: a Goldman Sachs «está a reverter para um modelo de negócios que os analistas consideraram irremediavelmente falido durante a crise de crédito global», aumentando as suas atividades de risco. Isto é, os multimilionários de Wall Street continuam a fazer o que sempre fizeram – e que disseram ser a causa da crise. Agora tentam fazer crer que a crise está a abrandar. Querem o business as usual. Aliás, para alguns a crise nem chegou a começar. O ex-CEO da Porsche, Wendelin Wiedeking foi despedido depois de uma tentativa fracassada de comprar a Volkswagen, que deixou a Porsche com uma dívida de 10 mil milhões de euros. Mas na despedida Wiedeking recebeu uma compensação de 50 milhões de euros (Bloomberg, 23.7.09), sem contar com a remuneração de 77 milhões de euros que recebera no ano anterior, quando andava entretido a afundar a Porsche. Vários grandes bancos estão a aumentar os salários dos seus quadros dirigentes (Financial Times, 24.7.09). São fatos para recordar quando vierem com a cantiga de que «todos temos que aceitar sacrifícios para sair da crise».
Se a «ganância» e os «excessos» do grande capital continuam de boa saúde, para o resto da Humanidade a situação é bem diferente. Milhões de trabalhadores já ficaram sem trabalho e estão a cair na miséria. A taxa oficial de desemprego nos EUA aproxima-se dos 10%, mas uma medida mais real e menos manipulada (a “taxa U6”) ascendia em Junho a 16,5% (Bureau of Labor Statistics, www.bls.gov). O patronato e governos dos grandes países capitalistas estão lançados numa ofensiva para aumentar a exploração de quem ainda trabalha. O grande capital nunca acreditou no «fim da luta de classes». Há uma crise para o grande capital e outra para os trabalhadores. Nos EUA foi decretada a falência da General Motors. Essa falência só durou 40 dias, após os quais os trabalhadores bem podiam falar num «11 de Setembro»: até 2011 serão encerradas 11 fábricas, até ao final deste ano o número de trabalhadores vai baixar de 91 mil para 67 mil; os que ficaram viram as suas remunerações drasticamente reduzidas. As greves estão proibidas (Workers’ World, 17.7.09). Um desastre parecido ocorreu em Abril na Chrysler, que decretou a bancarrota apesar dos trabalhadores aceitarem todas as concessões que lhes foram exigidas para evitar a falência (Avante!, 21.5.09). Fatos para recordar quando vierem com a calúnia de que em Portugal as fábricas fecham por culpa da «intransigência do PCP».
A crise mundial do capitalismo está longe do fim. Em última análise, é uma enorme crise de sobreprodução. Forças produtivas imensas terão de ser destruídas. Mas ao destruir o poder de compra de quem trabalha, também se aprofunda a crise. Os efeitos da crise vão continuar a devastar a vida de muitos milhões de seres humanos. O déficit orçamental dos EUA vai atingir este ano uns estonteantes 1,8 trilhões de dólares, e a dívida pública total está em cerca de US$ 11,5 trilhões (Bloomberg, 13.7.09). Quem vai pagar esta factura? A palavra de ordem do grande capital é: «A pilhagem continua! Os trabalhadores que paguem a crise!». Mas a crise econômica e social já está a desencadear resistência e luta. Em que os partidos de classe dos trabalhadores são chamados a desempenhar um papel fulcral. É por isso que os nostálgicos do fascismo e do anticomunismo violento estão de novo a sair das sarjetas.
Jorge Cadima é Professor da Universidade Técnica de Lisboa e analista de política internacional
Este texto foi publicado em Avante nº 1.861 de 30 de Julho de 2009