Nesse mês de agosto, o Brasil comemora trinta anos da anistia e da reconstrução democrática. O golpe militar e a ditadura imposta aos brasileiros causaram, ao longo de vinte e cinco anos, danos irreparáveis ao país e deixaram feridas profundas que ainda não foram cicatrizadas. Dentre as feridas expostas, estão os restos mortais de dezenas de militantes políticos assassinados barbaramente na região do Araguaia, que ainda se encontram sob a guarda assassina e o sigilo do Estado brasileiro.
Naquele período histórico, grande parte das nações da América Latina foi varrida por ditaduras sangrentas, que ainda hoje causam indignação e revolta. Milhares de trabalhadores foram assassinados, torturados e humilhados. Um grande número de torturadores e assassinos confessos estão livres, e alguns possivelmente com saudades dos tempos em que tudo podiam, sob o olhar complacente do Estado e das autoridades constituídas.
Rememorando esse triste episódio histórico, que, ainda hoje, causa náusea e repulsa em nossas consciências, transcorre neste exato instante, na América Central, mais um lamentável golpe militar, agora em Honduras, porém extensivo a todos os povos da América e do mundo. O golpe, que ocorreu há pouco mais de quatro semanas, não tem solução previsível. As poucas informações que chegam daquele pequeno país da América Central dão conta de que dezenas de pessoas foram assassinadas e presas pelas forças militares. Isso está acontecendo mesmo sob pressão de todos os governos da região, da OEA – Organização dos Estados Americanos e dos movimentos sociais que exigem o restabelecimento do processo democrático. Todavia, os golpistas de plantão e a oligarquia financeira local mantêm os propósitos que os levaram a cometer o seqüestro, a expulsão e a ruptura democrática contra o país do presidente eleito Manuel Zelaya.
O argumento exposto pelos golpistas, se é que existe argumento para golpes militares, é que o Presidente Zelaya estaria tramando um golpe contra a constituição e o parlamento do país, pelo fato de propor uma reforma da carta magna. A reforma proposta tinha os mesmos objetivos perseguidos pelo Equador, Venezuela e Bolívia: romper com uma constituição neoliberal e direcionar o país para uma nova ordem econômica e social. Dentre as propostas em debate estava a possibilidade de reeleição ao cargo de Presidente da República. É de conhecimento de todos que, em vários países da América Latina, foram realizadas reformas constitucionais, para reparar parte do estrago causado no período de ferro do neoliberalismo. As reformas serviram também para refundar a democracia do continente extremamente fragilizada no período. Também sabemos que em vários países, inclusive no Brasil, foram alteradas as legislações eleitorais, possibilitando a reeleição de mandatários a cargo do executivo, como por exemplo, Presidente da República.
Mas se o motivo real não é a reforma constitucional, qual serão mesmo os motivos que levaram os militares hondurenhos ao golpe? Sabemos que o processo de mudanças que vem ocorrendo na América Latina não é muito bem visto pelos falcões do norte, linha dura do partido republicano estadunidense. Os falcões, que historicamente impuseram modelos ditatoriais aos povos da região central e sul do continente, não aceitam governos como os realizadas na Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela. A expansão destes modelos de governo, como também de gestão de Estado, incomoda sobremaneira os liberais e fascistas do norte. Não é por acaso que os Estados Unidos mantêm dezenas de bases militares nos países da região, sendo que uma das mais importantes se encontra em Honduras, a Soto Cano. Essas bases militares, que agora serão ampliadas para quatro na Colômbia, foram decisivas na ofensiva americana contra a Nicarágua, El Salvador e Guatemala nos anos oitenta, e poderão, nesse próximo período, expor a região a novos golpes, a depender da evolução dos fatos políticos.
Outra coincidência, que envolve esse golpe de estado, diz respeito ao embaixador americano que operava em Honduras nos dias que antecederam esse acontecimento. Trata-se de um cubano naturalizado americano, Hugo Llorens. O embaixador é uma das milhares de crianças enviadas de Cuba para os Estados Unidos no início dos anos sessenta, em operação da CIA, que ficou conhecida como operação Peter Pan. Existem informações oficiais a respeito do embaixador americano ter realizado várias reuniões com os militares hondurenhos antes de deferirem o golpe de Estado. Llornes aparece também no processo golpista contra Hugo Chávez, presidente da Venezuela, em 2002. O embaixador era naquele período integrante do departamento de assuntos para o hemisfério, comandado naquele período pelo sub secretário Otto Reich, famoso fascista estadunidense.
Mesmo com as mudanças de comportamento político do atual governo dos Estados Unidos, Barack Obama, a política imperialista continua em pleno vigor, a despeito de qualquer posicionamento mais hábil, praticado pelo atual governo estadunidense. O establishment que opera nas sombras da superestrutura do Estado, mantém vivo os objetivos estratégicos do império americano e, em hipótese alguma, abandonará seus propósitos. O laboratório político desenvolvido em Honduras é uma resposta ideológica aos governos e países da região. É a demonstração cabal da capacidade golpista dos falcões e da insatisfação de setores da sociedade americana pelo desenvolvimento dos processos políticos na região.
Nesse momento, a pressão popular e diplomática aumenta em toda a região. Na capital Tegucigalpa e em várias cidades do país, milhares de pessoas protestam pela volta do governo deposto. Na próxima semana, o líder sindical, Milton Bardales, vinculado ao Coprumh (Colégio Profissional União Magisterial Hondurenho) propõe uma nova estratégia: tomar as cidades através de grandes marchas. O líder sindical afirma que na próxima semana haverá uma grande peregrinação nas duas principais cidades do país: a capital e San Pedro Sula. Neste sentido, os próximos dias serão decisivos para o desenvolvimento e desfecho da situação política de Honduras. O movimento sindical e popular está chamado a prestar a mais ampla e consistente solidariedade ao povo hondurenho. Será preciso nos próximos dias realizar em toda a América Latina, atos de apoio ao governo democrático de Manuel Zelaya, deposto pelo golpe militar e reforçar, mesmo que simbolicamente, as marchas que ocorrerão nos próximos dias. Em defesa da Democracia, da soberania e da autodeterminação dos povos!