O golpismo midiático ficou claro no Brasil em 1964, quando jornais como “Estado de São Paulo”, “O Globo”, “Folha de São Paulo”, entre outros, apoiaram abertamente o golpe desfechado pelos generais contra o governo progressista de João Goulart, refletindo o desespero antidemocrático das classes dominantes brasileiras com as reformas de base proposta pelo ex-presidente.
A “Folha”, que se faz de progressistas e até já foi considerada um jornal petista, chegou ao ponto de ceder seus automóveis para conduzir prisioneiros políticos aos porões da ditadura (DOI-CODIs), onde invariavelmente eram submetidos a cruéis torturas. Foi na ditadura que a Rede Globo, menina dos olhos da extrema direita militar, prosperou e deslocou a hegemonia dos “Diários Associados” dirigidos por Assis Chateaubriand.
Por gratidão à ditadura e apego às ideologias de direita, a poderosa TV da família Marinho manipulou informações para ocultar a campanha das “Diretas Já”, noticiando uma grande manifestação em São Paulo em janeiro de 1984 contra o regime militar como uma mera festa de aniversário da cidade. A Globo também jogou grande papel na eleição de Fernando Collor, em 1989, manipulando informações, e organizou uma frustrada tentativa de fraude eletrônica para impedir a vitória de Leonel Brizola nas eleições para governador do Rio de Janeiro em 1982.
O caráter golpista da mídia capitalista não é uma exclusividade brasileira. Pode ser percebida em todo o mundo e particularmente na América Latina, no apoio ao malfadado golpe contra Chávez na Venezuela (em abril de 2002) e iniciativas do gênero na Bolívia, entre muitos outros episódios. Em Honduras, o apoio à aventura militar-fascista pela mídia é descarado e vergonhoso, conforme revela a reportagem que reproduzimos abaixo, publicada no Portal Vermelho.
(Portal da CTB)
Imprensa hondurenha dá aulas de colaboracionismo tacanho
Os principais jornais de Honduras não se contentaram em apoiar o golpe de Estado que, desde domingo (28), jogou o país num cenário de colapso interno e isolamento internacional. Além de poupar informações cruciais sobre a manobra para derrubar o presidente Manuel Zelaya, a imprensa hondurenha noticiou a posse do novo presidente, Roberto Micheletti, como uma formalidade burocrática normal, dentro dos marcos da democracia.
Capa dos principais jornais de Honduras na 2ª feira: nenhuma menção ao termo "golpe"
Há tempos não se via, mesmo na América Latina, uma mídia empenhada num colaboracionismo tão tacanho. Militares invadiram os dois principais jornais de Honduras, mas os sites de ambos na internet continuam no ar porque eles são favoráveis ao golpe. "O El Heraldo e o El Tribuno são parte do golpe. Eles e alguns canais de TV são controlados pela oposição. Nesta manhã, esses eram os únicos canais em funcionamento", disse Erin Matute.
De forma eufêmica e enviesada, os principais jornais do país destacaram em suas manchetes de capa a designação de Micheletti à presidência do país. El Heraldo intitulou: "Assume Micheletti"; La Tribuna: "R.Micheletti sucede a Mel" (como é conhecido o presidente Manuel Zelaya), e Tiempo publicou "Roberto Micheletti, novo presidente".
Na noite de segunda-feira, o El Heraldo destacava, em sua página principal, a posse dos cinco ministros nomeados pelo presidente interino e a "luta" do país "contra a ilegalidade". Já o El Heraldo punha em primeiro plano os confrontos entre manifestantes e militares no palácio presidencial, na capital Tegucigalpa, e os relatos de que havia ao menos 20 feridos. Durante os protestos, alguns hondurenhos depredaram bancas que vendiam exemplares do Heraldo — e outros usaram os pacotes de jornais para bloquear as ruas que levam ao palácio.
As bancas são provas incontestes do crime. Na segunda-feira, nenhuma das capas dos principais jornais do país — Tiempo, La Tribuna e El Heraldo — sequer mencionou a palavra “golpe”. No canto inferior direito do La Tribuna, o mascote do jornal, o Tribunito, lê o jornal dizendo: “Desta vez, a ‘quarta’ foi vencida”. É uma grosseira ironia com a quarta urna, que o presidente pretende adicionar às eleições gerais de novembro para que uma Assembleia Constituinte seja convocada.
Além disso, a manchete do La Tribuna (“R. Micheletti sucede a Mel”) traz uma chamada para “Manuel Zelaya vai à Costa Rica”. O fato, de conhecimento público, é que Zelaya foi sequestrado por militares enquanto dormia e despachado, de pijamas mesmo, para a Costa Rica. "Fui retirado da minha casa de forma brutal, sequestrado por soldados encapuzados que me apontavam rifles", contou o presidente deposto. “Diziam: ‘Se não soltar o celular, atiramos’. Todos apontando para minha cara e meu peito.”
O jornalista hondurenho Renan Martinez, do La Tribuna, disse ao Opera Mundi que as manifestações feitas na segunda-feira não foram noticiadas pela imprensa local. Os meios de comunicação já estão “informando” que Micheletti vai acabar com a fome e com a falta de segurança.
Cenário caótico
Ao jornal O Estado de S. Paulo, fontes diplomáticas também disseram que a capital hondurenha enfrenta cortes intermitentes nos serviços de água e energia elétrica. No domingo, após o golpe, faltou energia por várias vezes no país — o que dificultou a transmissão de notícias pela televisão e o acesso à internet. Além disso, canais estrangeiros de TV sofreram interferência sempre que apresentam reportagens sobre o golpe.
Pelo menos quatro emissoras de TV, três de rádio e a sede de dois jornais foram ocupadas por militares, de acordo com o porta-voz do governo deposto, Guillermo Paz Manuelles. “Foi uma ação muito violenta. Eles entraram nos edifícios, bateram em funcionários, prenderam pessoas e fecharam as instalações”, disse Manuelles. Segundo o porta-voz, "95% das emissoras hondurenhas ignoraram o golpe — e o Canal 6 transmitiu uma programação infantil durante o dia todo".
As emissoras Rádio América e Radio HRN não noticiaram a deposição — apenas pediam aos hondurenhos que voltassem às atividades normais porque a transmissão de energia elétrica não tardaria a ser restabelecida. Nas poucas rádios e TVs que continuam em operação, são transmitidas músicas e novelas ou programas de culinária, e as menções à crise política que vive o país são esparsas.
Telesur calada
Logo depois de surpreender o presidente em casa e enviá-lo para a Costa Rica, os militares hondurenhos invadiram a emissora de rádio mais popular do país e cortaram o sinal local da rede de TV americana CNN em espanhol e da venezuelana Telesur, além da Cubavisión Internacional.
Uma das equipes de reportagem da Telesur chegou a ser detida em Tegucigalpa. Segundo a enviada especial da emissora a Honduras, Adriana Sívori, ela e outro integrante da equipe foram "sequestrados e agredidos" por militares quando cobriam uma manifestação nas proximidades do palácio presidencial. Os dois detidos foram liberados pouco depois de terem sido levados ao serviço de imigração.
Nesta terça-feira (30), apesar das notícias fantasiosas plantadas pela mídia hondurenha, os golpistas instalados no governo receberam o repúdio unânime da comunidade internacional, que exige a restituição incondicional de Zelaya. Nenhum país e nenhuma instituição, em escala regional e mundial, reconheceram o Executivo-fantoche encabeçado por Micheletti.
Protestos
Os insustentáveis ataques à mídia independente motivaram protestos de entidades internacionais. A comissão investigadora de atentados a jornalistas da Federação Latino-Americana de Jornalistas (Felap, sigla em espanhol) denunciou que "a
ditadura militar instaurada em Honduras silenciou todos os meios de comunicação comunitários e alternativos, violentando a liberdade de expressão do povo hondurenho".
Segundo a Felap, por trás deste golpe de Estado há diversas "ameaças ao jornalismo livre e violação dos direitos humanos contra jornalistas que cobrem acontecimentos políticos nesta nação". A nota, assinada pelo presidente da organização, Hernán Uribe, e pelo secretário-executivo Ernesto Carmona, diz ainda que “o regime golpista não deseja que o mundo saiba que o povo está nas ruas exigindo o retorno do presidente constitucional Manuel Zelaya e manifestando seu respaldo à ordem constitucional democrática”.
Já o Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ, na sigla em inglês) manifestou preocupação quanto à informação de que vários meios de comunicação do país estão fora do ar. Até organizações antiesquerdistas, como a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e a Repórteres sem Fronteiras (RSF), também registraram limitações no trabalho dos meios de comunicação.
"Há evidências da suspensão temporária de sinais de rádio e da TV estatal, assim como de outras cadeias internacionais privadas, e de vários atos de agressão contra jornalistas e as instalações físicas de alguns meios de comunicação", disse, em nota, o presidente da SIP, Enrique Santos Calderón.
Na segunda-feira, também a direitista Repórteres Sem Fronteiras se pronunciou, ainda que com palavras mais suaves. “Em princípio, condenamos um golpe de Estado contra um presidente eleito democraticamente, que justifica todos os temores em relação às liberdades fundamentais, entre elas a de informar”, afirmou a RSF
"As suspensões ou fechamento de veículos de comunicação, tanto locais quanto internacionais, manifestam a clara vontade dos golpistas de ocultar os acontecimentos. A Organização dos Estados Americanos (OEA) e a comunidade internacional devem exigir, e conseguir, o fim deste blecaute midiático", manifestou a entidade. "Em tempos normais, os jornalistas hondurenhos já padecem de uma grande insegurança. Nas atuais circunstâncias, fazemos também um chamado à responsabilidade dos meios de comunicação.”
(Da Redação do vermelho, com informações do Opera Mundi e agências)