Afinal, Israel tem medo do quê? A velha desculpa de criar uma “área militar de acesso vedado” para evitar que o mundo veja a ocupação das terras dos palestinos já não engana ninguém.
Por Robert Fisk, no The Independent
Na última vez que Israel jogou esse joguinho – em Jenin, em 2000 – foi um desastre. Impedidos de ver com os próprios olhos, os repórteres citaram palestinos que diziam que os israelenses massacraram palestinos – e desde então, já há anos, Israel continua obrigado a negar que tenha havido massacre. De fato houve massacre em Jenin, embora não na escala de que se falou no início.
Agora, outra vez o exército de Israel tenta aplicar a mesma tática furada. Imprensa não entra. Proibidas as câmeras. Ontem (4) pela manhã, horas depois de o exército israelense ter entrado com violência e espalhafato em Gaza para matar mais membros do Hamás – e mais civis, é claro –, o Hamás anunciou a captura de dois soldados israelenses.
Houvesse jornalistas por ali, se poderia saber se é verdade ou mentira. Dado que não há um único jornalista ocidental em Gaza, os israelenses tiveram de fazer o triste papel de dizer ao mundo que não sabiam de nada.
Por outro lado, o exército israelense é tão violento, que se adivinham facilmente as razões pelas quais não querem saber de repórteres: tantos soldados israelenses vão matar tantos inocentes – mais do que mataram ontem, as vítimas de que se tem notícia até agora – que as imagens da carnificina não seriam toleradas. Não que os palestinos sejam muito diferentes. Há alguns meses, uma família de uma máfia palestina seqüestrou o homem da BBC em Gaza – depois o Hamás o libertou, feito de que ninguém fala hoje –, mas o seqüestro pôs fim a qualquer plano de a televisão ocidental manter equipes permanentes em Gaza. Portanto, os resultados são sempre os mesmos.
Em 1980, a URSS expulsou do Afeganistão todos os jornalistas ocidentais. Os que estávamos cobrindo a invasão russa e seu brutal desenvolvimento nunca mais puderam entrar no país – se não com os guerrilheiros mujahedin. Recebi uma carta de Charles Douglas-Hume, então editor do The Times – para o qual então eu trabalhava –, em que ele fazia uma observação importante. “Agora que ficamos sem cobertura regular do Afeganistão,” escreveu, dia 26 de março daquele ano, “agradeceria se você providenciasse para que não desperdicemos nenhuma chance de ouvir depoimentos confiáveis sobre o que esteja acontecendo. Não se pode admitir que os acontecimentos no Afeganistão sejam varridos do mundo, só porque não temos correspondente lá.”
É possível que ninguém se surpreenda por os israelenses requentarem a velha tática soviética de impedir que o mundo veja suas guerras. Mas o resultado é que hoje as vozes palestinas – mesmo quando jornalistas ocidentais não concordem com elas – dominam todos os espaços. Homens e mulheres que enfrentam o fogo cerrado da artilharia israelenses contam sua tragédia pelas televisões, rádios e jornais como jamais antes puderam contar coisa alguma. Nada do “equilíbrio” que tantos jornalistas de televisão fingem tão bem nos relatos ao vivo. Talvez aí esteja o começo de nova forma de cobertura – que os participantes contem a própria história.
A questão é que não há ninguém, em Gaza, para investigar a versão do Hamás. Mais uma importante vitória do Hamás, portanto, que os israelenses lhes deram de bandeja.
O lado escuro, que também há, é o seguinte: a versão israelense dos eventos é ouvida com tal reverência pelo moribundo governo Bush, que o banimento dos jornalistas talvez não faça diferença alguma para o exército de Israel. Enquanto lutamos para separar verdade e mentira, o que eles tentam esconder já terá sido superado por outra catástrofe. E eles poderão continuar a dizer que estão “vencendo” sua “guerra contra o terror”.