Por Alejandro Nadal
A Reserva Federal arrisca-se cada vez mais e agora anuncia planos para comprar dívida de curto prazo às empresas. Isso distorce cada vez mais sua função original e revela a gravidade da situação. A ferocidade da crise, é claro, obriga a uma análise mais cuidadosa sobre a sua gênese e a agenda política que lhe corresponde.
Em Janeiro de 1980 o governo estadunidense autorizou o resgate da companhia automobilística Chrysler, que se encontrava em dificuldades desde 1975 devido à recessão. Os dirigentes da companhia propuseram um plano ao governo para reestruturar a empresa, fechando fábricas, reduzindo salários e cortando benefícios. Tudo isto seria feito com a ajuda da burocracia sindical.
Nos anos seguintes a Chrysler fechou 28 fábricas nos Estados Unidos, despediu 48 mil operários (de um total de 98 mil). Outros 20 mil empregados também perderam o seu emprego. Os mais jovens e militantes foram os primeiros a ser despedidos, ao passo que a burocracia sindical era recompensada. Numa manobra apresentada como exemplo de colaboração entre trabalhadores e empresa, o secretário do sindicato converteu-se em membro do conselho de diretores da companhia.
Em Agosto de 1981 o sindicato de controladores aéreos profissionais dos Estados Unidos desencadeou uma greve em busca de aumentos salariais e melhores condições de trabalho. O sindicato estava a violar uma lei que proibia empregados federais de recorrerem à greve. O então presidente Reagan decidiu que isto era uma ameaça para a segurança nacional e enviou um ultimato: ou regressavam ao trabalho em 48 horas ou seriam despedidos. Só uma minoria obedeceu e foram despedidos mais de 11 mil controladores. O sindicato perdeu seu registro em Outubro desse ano.
Estes dois episódios marcaram o princípio de uma ofensiva profunda contra os sindicatos nos Estados Unidos. O resultado principal foi o declínio dos sindicatos nesse país: entre 1977 e 1997 a percentagem da força de trabalho empregada com filiação sindical passou de 25 por cento a 14 por cento. O grande aliado do capital foi a chamada flexibilização laboral e, em especial, a eliminação de restrições para despedir trabalhadores (o sistema ficou conhecido pela frase hire and fire, contrata e despede). Outra arma contra os sindicatos foi a ameaça de perderem empregos devido ao livre comércio. A retórica das empresas era clara: se os sindicatos não reduzem suas exigências, perderemos a batalha da competitividade, fecharemos e todos sairão perdendo. A burocracia sindical acomodou-se, abandonando a busca de melhores condições laborais para cooperar com os patrões e o governo.
Em resultado, o salário mínimo e os contratuais sofreram uma redução de quase 10 por cento durante o período de 1979 a 1997. Seguiu-se uma modesta recuperação depois de 1998, o que permitiu recuperar o nível de 1979 em 2003. Contudo, a partir desse ano os salários retomaram sua tendência descendente. Ao longo destes anos intensificou-se a precariedade do trabalho e deteriorou-se a qualidade do emprego.
Durante este período histórico verifica-se um extraordinário incremento da desigualdade nos Estados Unidos. Entre 1973 e 1990 a produtividade manteve-se estagnada, mas entre 1995 e 2005 aumentou em 30 por cento. Contudo, os benefícios desse aumento foram para os estratos mais ricos: os 20 por cento mais privilegiados da força de trabalho ativa viram seus rendimentos reais aumentar 30 por cento. Ao mesmo tempo, a queda no salário real dos 20 por cento mais desfavorecidos foi de 22 por cento.
Esta perda de poder aquisitivo do salário é parte importante das origens da crise atual, porque teve de ser compensada com endividamento privado para manter níveis artificiais de procura efetiva. Toda uma geração não teve outro remédio senão endividar-se para manter seus níveis de consumo. As bolhas que atenuaram os efeitos negativos dos ciclos de negócios são apenas um aspecto deste endividamento.
O capitalismo estadunidense reagiu contra o movimento sindical e a classe trabalhadora porque a queda na rentabilidade a partir dos anos 70 obrigou a limitar as remunerações ao trabalho. Deste modo, o sonho americano foi sacrificado no altar do capital. Há muitos dados que permitem documentar o que foi dito, mas tudo isto conduz a outra pergunta: por que caíram os níveis de rentabilidade? Os níveis de capacidade instalada nesta etapa da acumulação do capital sem dúvida estão relacionados com esta evolução da rentabilidade. Mas isto não é suficiente e este tipo de análise só desloca o problema para leva a uma última interrogação: carregará o capitalismo nas suas entranhas a semente da sua própria destruição? A agenda política que decorre desta reflexão obriga a colocar o problema das alternativas ao capitalismo, tema injustificadamente relegado a um rincão obscuro desde há 20 anos.
08/Outubro/2008
Alejandro Nadal é Professor de Economia Comparada no Colégio do México