Os dois pesos e as duas medidas do FMI na abordagem das crises. Por Umberto Martins

O FMI (Fundo Monetário Internacional) resolveu dar palpites sobre a crise internacional, mas os conselhos que oferta aos ricos não têm o mesmo conteúdo das desastrosas intervenções que em passado recente promoveu em países como Brasil e Argentina. Nós fomos condenados a ajustes econômicos recessivos, feitos sob medida para atender os interesses da banca internacional, que em contrapartida nos custaram mais de duas décadas de desenvolvimento. Ao contrário do procedimento usual com os mais pobres, a desacreditada instituição não dá ordens às potências capitalistas, neste caso faz apenas um apelo ao “bom senso”.

Em relatório divulgado nesta terça, 7-10, o Fundo sugere que o pior da atual crise financeira global ainda está por vir. O documento, intitulado “Estabilidade Financeira Global”, afirma que o sistema financeiro atravessa “um período de turbulências sem precedentes” e prevê que bancos em todo mundo continuarão a registrar fortes perdas.

Apelo

O FMI ressaltou a determinação dos governos em responder aos atuais desafios, mas disse que “a restauração da estabilidade financeira se beneficiaria de um comprometimento coletivo das autoridades, que devem tratar o problema com eficiência”.

O diretor do fundo, Dominique Strauss-Kahn, “o tempo das soluções à conta gotas chegou ao fim. Eu peço aos legisladores que tratem esta crise com medidas abrangentes que restaurem a confiança no setor financeiro. Ao mesmo tempo, os governos nacionais devem coordenar de perto esses esforços para trazer de volta a estabilidade do sistema financeiro internacional.”

Estado forte

Na avaliação do FMI, ficará cada vez mais difícil para as instituições bancárias abastecerem seus caixas com capital proveniente de acionistas ou de fundos de investimentos estatais baseados na Ásia ou no Oriente Médio.

Com a crise do crédito e a confiança em baixa, os bancos enfrentarão dificuldades para captar capital. Isto significa que governos terão de se envolver cada vez mais em operações de resgate, como a que salvou os bancos hipotecários americanos Fannie Mae e Freddie Mac. Em outras palavras, por ironia da história e imposição objetiva da crise, temos agora o galanteio ao Estado, em substituição ao “Estado mínimo” que fez a glória do neoliberalismo.

Déficit público

Numa outra demonstração de que usa um peso e uma medida para os ricos substancialmente distintas das que utilizou no tratamento reservado aos pobres, o relatório do FMI manifesta apoio às linhas gerais do pacote de ajuda econômica de US$ 700 bilhões aprovado pelo Congresso americano na semana passada, mas ressalva que os “detalhes de sua implementação serão cruciais para seu sucesso”. Parece que estamos diante de uma súbita conversão ao keynesianismo, mas o que conta na verdade são os interesses em jogo.

Seja como for, não é necessário muito esforço intelectual para entender que o plano Bush vai ampliar o déficit público e o endividamento global dos EUA, que já ultrapassa 300% do PIB, segundo estimativas da revista inglesa The Economist. Será que não seria mais recomendável uma receita de superávit fiscal, que o Fundo, seguindo o “Consenso de Washington”, impôs com tanta freqüência e arrogância aos endividados do Terceiro Mundo e que foi uma das muitas condições danosas dos acordos fechados no Brasil com FHC em 1998 e 2002? Tal receita faz muito mais sentido para os EUA, dado o grau de parasitismo e endividamento externo do império.

Acabem com as guerras

Bem que o governo norte-americano poderia caminhar na direção do equilíbrio fiscal interrompendo a custosa e malfadada guerra imperialista que move contra o Iraque e o Afeganistão, retirando as bases militares que mantém no exterior, desativando a 4ª Frota de Intervenção que voltou a patrulhar águas latino-americanas e cortando fundo nas despesas com segurança, pois não faz nenhum sentido manter um orçamento militar equivalente às despesas somadas de todos os demais países que compõem o nosso vasto mundo.

Uma sugestão parecida, que nada tem de absurda, foi apresentada recentemente pelo ex-secretário assistente do Tesouro americano na administração Reagan, Paul Craig Roberts. “Um país que tivesse líderes inteligentes reconheceria suas aflições, travaria suas guerras gratuitas e cortaria seu orçamento militar maciço, o qual excede aquele de todo o resto do mundo somado. Mas um país cujo objetivo de política externa é hegemonia mundial continuará no caminho da destruição até que o resto do mundo cesse de financiar a sua existência”, sentenciou o ex-secretário no artigo “Economia sem leme e a cambalear” (reproduzido no Portal CTB).

“A maior parte dos americanos, incluindo os candidatos presidenciais e a mídia”, acrescentou Craig Roberts, “estão inconscientes de que o governo dos EUA hoje, agora neste minuto, é incapaz de financiar suas operações diárias e deve confiar em estrangeiros que comprem seus títulos. O governo paga os juros aos estrangeiros vendendo-lhes mais títulos, e quando os títulos têm de ser pagos, o governo resgata-os vendendo-lhes novos títulos. O dia em que os estrangeiros não comprarem será o dia em que o povo americano e o seu governo serão trazidos à realidade”.

Vai piorar

Voltando ao relatório, o FMI observa que os Estados Unidos continuam no “epicentro da crise” e que o declínio contínuo no mercado imobiliário americano e a desaceleração da economia global devem aumentar o número de inadimplências de hipotecas e de outros tipos de empréstimos.  Revendo as previsões que fez anteriormente, o Fundo estima que as perdas nos Estados Unidos originadas de empréstimos e outros operações financeiras devem chegar a US$ 1,4 trilhão, um aumento significativo em relação aos US$ 945 bilhões previstos em abril deste ano.

Para a instituição, os mercados emergentes estão correndo sérios riscos e países do leste europeu também poderão ser seriamente atingidos diante do grande número de empréstimos hipotecários concedidos por bancos a pessoas de baixa renda. De acordo com o FMI, a crise do crédito, ao provocar o aumento das taxas pelas quais os bancos fazem empréstimos entre eles, reduziu o alcance do instrumento tradicional da política monetária, as taxas básicas.

O Fundo já não possui muito crédito no mercado e é pouco provável que suas sugestões sejam levadas a sério pelas autoridades que dão as cartas nas economias capitalistas mais avançadas. Apesar de empregar uma equipe técnica respeitável, que conta com o talentoso, crítico e honrado economista brasileiro Paulo Nogueira Batista, o famigerado FMI nunca será mais do que o gendarme do imperialismo hegemonizado pelos EUA. Bandido ou mocinho, é apenas mais um figurante na tragédia financeira internacional, na qual tem sua cota de responsabilidade, mas não é o ator principal.


Por Umberto Martins, editor do Portal CTB

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