1. Uma História de Vitórias
A CUT comemora suas bodas de prata com razão. Um balanço equilibrado da trajetória da maior central sindical brasileira permite destacar os aspectos positivos e negativos de seus vinte e cinco anos.
Nesse período, a CUT jogou importante papel na democratização do país, liderou importantes mobilizações dos trabalhadores e atraiu para o seu interior grandes entidades sindicais do setor privado, público, urbano e rural.
Essa vitoriosa caminhada apresenta, ainda, um trunfo de inegável valor simbólico: a principal liderança cutista é, hoje, nada mais, nada menos do que o próprio presidente da República.
Tudo isso transformou a CUT numa referência singular da luta dos trabalhadores brasileiros e seu prestígio extrapola as fronteiras nacionais. Neste último quartel de século, a CUT pode ser considerada como a maior entidade de massa do país.
Em contrapartida, o balanço não pode omitir que a concepção sindical, a orientação política atual e o método de funcionamento distanciam a CUT daquilo que se convencionou chamar de sindicalismo classista e democrático.
2. Déficit de Democracia
A CUT adota o famoso ditado popular “faça o que eu mando, não faça o que eu faço”. Internamente, o máximo de democracia que a direção majoritária da CUT se permite é incorporar a proporcionalidade para a eleição dos dirigentes.
Com isso, em praticamente todas as instâncias prevalece o monopólio de uma única corrente. As minorias se transformam em forças caudatárias, apenas referendam as decisões ou, como se diz ironicamente, exercem o “jus esperneandi”.
A pouca democracia tem contrapartida: a perda de pluralidade da central, exclusão de diversas forças e diminuição da representatividade política e sindical. Esse fato é reconhecido até por apoiadores da central.
3. Diminuição da combatividade
A combatividade da CUT vem diminuindo. É um processo longo e planejado. Começa com a difusão de uma “nova” política para a central, baseada no sindicalismo tripartite, de prioridade aos acordos entre trabalhadores, patrões e governo.
Um momento claro dessa revisão é cunhada pela expressão “grevilha”,jogo de palavras onde se faz analogia entre greve e guerrilha para passar a idéia de que estaria superado o período da “greve pela greve” e chegada a hora, conforme o pensamento dos apologistas dessa tese, de um sindicalismo mais propositivo e menos reativo.
Com essa posição, a CUT deixou de ser o bicho-papão de outrora e passou a ser mais palatável, em movimento que se aprofundou com a chegada de Lula à Presidência da República.
4. Concepção Sindical Liberal
Os dirigentes cutistas se colocam como o Santo Guerreiro contra os Três Dragões da Maldade do sindicalismo brasileiro: a unicidade, a contribuição sindical e o poder normativo da Justiça do Trabalho.
A aparência moderna e avançada dessa concepção esconde, de fato, uma visão de conteúdo liberal, contra os interesses dos trabalhadores. Essa opinião é articulada e tem um fio condutor: a defesa do divisionismo, de um sindicalismo partidarizado.
A unicidade é uma conquista do sindicalismo consagrada no artigo 8º da Constituição Federal. Ela dá expressão jurídica a uma demanda estratégica dos trabalhadores que é a luta pela unidade, contra a fragmentação e enfraquecimento de suas entidades.
Apoiar, como a CUT apóia, a Convenção 87 da OIT, instrumento jurídico que permite a constituição de mais de uma entidade na mesma base territorial, é jogar água no moinho da divisão.
O sindicato deve representar todos os trabalhadores, mesmo os não sindicalizados, independentemente de suas convicções políticas. Esse é um pressuposto do sindicato unitário, classista e que não tem guarida no ideário da CUT.
Esgrimir o argumento liberal de que o trabalhador, pela sua “vontade” individual, deve escolher qual o sindicato que melhor lhe representa, é abstrair a realidade concreta da luta de classes, da interferência patronal e do Estado capitalista na “vontade” dos trabalhadores.
No mesmo rumo , a CUT se bate contra a sustentação material dos sindicatos mediante contribuição compulsória. De novo, o surrado argumento liberal de que o trabalhador, enquanto indivíduo , deve definir se paga ou não sua entidade de classe.
A contribuição sindical é uma garantia contra a ingerência de todos os que queiram fragilizar os sindicatos. A alegada peroração de que a contribuição só serve para sustentar sindicalistas acomodados não se apóia nos fatos. Os próprios sindicatos da CUT , por exemplo, usam os recursos da contribuição sindical.
Por último, mas não menos importante, são os ataques contra a existência de uma justiça especializada para tratar dos conflitos trabalhistas. Essa tese se esconde na pregação pelo fim do poder normativo da Justiça do Trabalho.
A legislação trabalhista brasileira e a Justiça do Trabalho são proteção mínima contra a sanha exploratória do capital. Ajudam principalmente os sindicatos e as categorias com menor poder de fogo, mas não só eles.
Sonhar com um mundo imaginário, onde trabalhadores e patrões tenham a mesma força e sejam obrigados, portanto, a recorrer a uma fórum arbitral para dirimir os conflitos trabalhistas, sem a incômoda e burocrática presença do Estado, é querer fantasiar a realidade .
É verdade que só a luta dos trabalhadores, sua organização e mobilização são capazes de impor derrotas aos patrões, avançar nas conquistas e garantir o atendimento das reivindicações. Mas daí a querer anular o papel da justiça do Trabalho vai uma grande distância.
5. Defesa da Unidade e do Fortalecimento do Movimento Sindical
Como tudo na vida, o sindicalismo precisa evoluir, se adequar às novas circunstâncias da luta de classes. A própria Constituição Federal de 1988, produto de um período de avanços na luta democrática, registrou inovações significativas na organização sindical.
Com ela, acabou-se o estatuto padrão, a Comissão de Enquadramento Sindical do Ministério do Trabalho e o controle das eleições pela Procuradoria do Trabalho. Além disso, os funcionários públicos adquiriram direito à sindicalização, ficou vedada a interferência ou intervenção do Estado na vida sindical e foi assegurado o direito de greve.
Com essas mudanças, boa parte das entidades adaptarem seus estatutos, incorporando alterações na composição e funcionamento das diretorias sindicais e em suas instâncias de direção.
No entanto, há lacunas ainda não preenchidas na batalha pela plena democratização sindical. A democracia, todos concordam, é indispensável para assegurar e fortalecer a unidade dos trabalhadores.
Nem todos os estatutos renovados primam pela democracia, não há uma instância independente que zele pela lisura e igualdade de condições nos processos eleitorais e até mesmo sindicalistas que posam de progressistas criam regras estatutárias que, na prática, inviabilizam as oposições sindicais.
Todas essas observações são pertinentes, mas não se confundem com teses que se apóiam no paralelismo sindical e em visões descoladas da realidade brasileira e dos reais interesses dos trabalhadores.
Por tudo isso, faz bem o sindicalismo classista em defender uma ampla aliança do movimento sindical para enfrentar as propostas de demolição da atual estrutura do sindicalismo brasileiro. Igualmente é preciso reafirmar a defesa da democracia e liberdade sindical com unicidade, manutenção da contribuição sindical e da Justiça do Trabalho.
Essa defesa não é uma luta quixotesca contra moinhos de ventos. É uma luta bem concreta contra iniciativas em curso que preparam terreno para retrocessos na organização sindical brasileira.
A Portaria 186/08 do Ministério do Trabalho e Emprego, que facilita e estimula a criação de federações e confederações, a proposta de substituição da Contribuição Sindical pela Contribuição Negocial e a necessidade de entendimento prévio entre os sindicatos de trabalhadores e patronais para suscitar dissídios coletivos nas campanhas salariais mostram que, por diversos caminhos, essas formulações liberais têm prosperado e precisam ser barradas..