Por Umberto Martins
O 1º de Maio, Dia Internacional da Classe Trabalhadora, será festejado nesta sexta-feira virtualmente em nosso país neste ano, sem manifestações de rua e com shows e discursos realizados e transmitidos via internet em função da pandemia do coronavírus, que avança e exige maior rigor no isolamento social.
A data nasceu sob o signo da luta de classes em 1889. Foi uma iniciativa da Segunda Internacional Socialista, organização fundada pelo filósofo alemão Friedrich Engels, parceiro de Karl Marx, com líderes operários de diferentes países. Seu objetivo era unir os trabalhadores de todo o mundo na luta comum contra a exploração capitalista, pelo Direito do Trabalho e por uma nova sociedade, solidária e socialista.
Mártires de Chicago
A escolha do dia foi uma homenagem à greve deflagrada pelos operários de Chicago, nos EUA, em 1º de maio de 1886. A paralisação se alastrou pelo país, envolvendo centenas de milhares de operários. Em resposta, por determinação do governo, a polícia promoveu um massacre contra os grevistas, matando, ferindo e prendendo em massa.
Esta batalha memorável da classe trabalhadora mereceu, desde então, um registro privilegiado nos anais da história universal e na memória popular, numa reverência da consciência social à sua força e à valentia e heroísmo de seus principais líderes, os mártires de Chicago, presos, condenados e enforcados pelo Estado burguês.
É um marco glorioso na luta pela dignidade e os direitos humanos.
A principal reivindicação dos grevistas era a redução da jornada de trabalho para 8 horas semanais. Trabalhava-se nos primórdios do capitalismo, e nos EUA à época, mais de 15 horas por dia. A jornada extenuante e insalubre despertava a revolta operária todo o mundo, mas os capitalistas nunca aceitaram pacificamente a diminuição do tempo de trabalho ansiada pela classe trabalhadora.
Redução da jornada
Os operários de Chicago não alcançaram seus objetivos logo após a greve, mas sua luta não foi em vão, iluminou o caminho, elevou a consciência operária e inspirou novas batalhas e grandes conquistas. O ideal de 8 horas diárias tornou-se uma realidade mundial ao longo do século 20.
O primeiro tratado adotado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), no ano de sua fundação em 1919, já previa limite de oito horas por dia e de 48 horas por semana de trabalho na indústria. No Brasil as 8 horas diárias foram instituídas em 1932 e a Constituição de 1988 limitou a jornada de trabalho semanal a 44 horas. O movimento sindical luta hoje pelas 40 horas semanais.
Inicialmente restrito a alguns poucos países, em sua maioria europeus, o 1º de Maio aos poucos se consolidou como um dia de luta pela jornada de 8 horas e celebração das conquistas sociais alcançadas com manifestações em todo o mundo. A exceção são os EUA, significativamente a pátria dos mártires de Chicago, onde as classes dominantes nunca admitiram a oficialização da data como Dia da Classe Trabalhadora, certamente com o intuito inútil de apagar da memória social a infame conduta que tiveram no massacre.
No Brasil, a data foi comemorada pela primeira vez em Santos no ano de 1895. Em 1925, o 1º de Maio foi declarado feriado pelo presidente Artur Bernardes.
Direito do Trabalho
Das batalhas da classe trabalhadora, alavancadas pelo 1º de Maio ao longo da história do capitalismo, brotaram conquistas preciosas para os povos de todo o mundo e, especialmente, os brasileiros: regulação da jornada de trabalho, descanso semanal remunerado, férias, 13º Salário, PLR, licença maternidade e muitas outras.
Foi a luta de classes que deu forma e conteúdo ao Direito do Trabalho, em nosso caso consubstanciado na Constituição e na CLT. As relações de trabalho e produção reguladas pela legislação configuram, como notam muitos juristas, um avanço civilizatório, restringindo a exploração e as injustiças subjacentes às relações entre os seres humanos no processo de produção capitalista e minimizando os efeitos das assimetrias entre capital e trabalho.
O capitalismo – cuja base miserável, conforme disse Marx, é o roubo de trabalho alheio, a mais-valia – desde as primeiras manifestações operárias pela regulação da jornada na Inglaterra sempre foi hostil à legislação trabalhista. Esta foi forjada, a despeito da reação histérica da burguesia, no fogo da luta de classes dos assalariados e escrita geralmente em cenários políticos menos adversos, com correlação de forças e condições econômicas mais favoráveis aos trabalhadores.
Crise do capitalismo
Hoje o mundo está imerso numa crise geral da ordem capitalista mundial liderada pelos EUA. O neoliberalismo, que ganhou força no final dos anos 1970 frente à crise do chamado Estado de Bem Estar Social, tem sido a resposta da burguesia financeira à crise. É uma política orientada para a destruição do Direito do Trabalho, da Previdência Pública, do bem estar e da seguridade social; uma ofensiva contra a classe trabalhadora que não encontra paralelo na história.
Às políticas antioperárias associa-se a apropriação e uso das novas tecnologias pelos capitalistas com o objetivo de driblar a legislação, até agora com a cumplicidade do Poder Judiciário no Brasil, e maximizar a exploração do trabalhador.
É este o caso de motoristas e entregadores da Uber e outros aplicativos, com jornadas insalubres superiores a 15 horas por dia e à margem dos direitos e garantias consagrados na CLT e na Constituição. Aí já não existe Direito do Trabalho e as relações de produção retrocedem à época em que o sistema capitalista dava seus primeiros passos.
De acordo com o IBGE o número de trabalhadores e trabalhadoras submetidas a essas condições abjetas no Brasil subiu a 13,7 milhões no final do ano passado. Os empresários do ramo, a cada dia mais prósperos, recrutam a massa de semi-escravos que exploram com requintes de crueldade no formidável exército de desempregados e subocupados ampliado pelo fundamentalismo neoliberal de Bolsonaro e Paulo Guedes.
Guerra ideológica
Ao mesmo tempo em que avança na empreitada de destruição do Direito do Trabalho a classe dominante desencadeia uma verdadeira guerra ideológica visando obscurecer a consciência dos trabalhadores e embaralhar a identidade classista, contando com os préstimos de sua fiel e insidiosa mídia burguesa.
Em vez de empregados (palavra que denuncia a sujeição do trabalhador ao patrão), os escravos do capital são agora chamados de parceiros, colaboradores ou empreendedores (como motoristas e entregadores explorados pelos donos de aplicativos). Mas a ideologia burguesa, ainda que forte, não pode substituir a realidade e não vai impedir indefinidamente o despertar da consciência de classe.
Neste 1º de Maio os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil e de todo o mundo têm motivos extraordinários para manter acesa a chama poderosa da luta de classes, propagar os valores da solidariedade, barrar o retrocesso em curso e preservar o avanço civilizatório, fortalecer seus sindicatos, lembrar e render homenagens aos operários de Chicago, exigir a redução da jornada, temperar o espírito para a luta secular que deu origem à data em defesa do Direito do Trabalho, contra a exploração capitalista, pelo socialismo.
Neste momento de pandemia e crise econômica, o 1º de Maio no Brasil é também um brado retumbante em defesa da vida, da saúde, da valorização do trabalho, da soberania nacional e da democracia, sintetizado numa palavra-de-ordem: Fora Bolsonaro.
Umberto Martins é editor do Portal CTB e Assessor de Comunicação da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB)