O elo que falta: por um sindicalismo consciente e classista

Um dos temas de mais difícil apreensão na luta social é o da relação entre o espontâneo e o consciente, segundo a análise de Lênin em “Que Fazer”, reflexão complexa e essencial sobre o papel dos comunistas na luta social. Desenvolve o dever anunciado no Manifesto Comunista, escrito há 170 anos: Lutam para alcançar os fins e interesses imediatos da classe operária, mas no movimento presente representam simultaneamente o futuro do movimento  (1). Essa consigna implica uma articulação dialética entre teoria e prática, espontâneo e consciente, estratégia e tática, temas centrais no marxismo.

Lênin problematiza os limites do movimento sindical. A luta circunscrita à negociação da compra e venda da força de trabalho, limita-se ao sindicalismo trade-unionista, sem disputar o conteúdo da sociedade capitalista. O foco exclusivo em reivindicações e denúncias econômicas limita o entendimento da dinâmica que move a sociedade e a possibilidade da classe trabalhadora dirigir-se ao conjunto das classes sociais e ao Estado. É papel da vanguarda “empreender ativamente a educação política da classe operária, trabalhar para desenvolver sua consciência política” (2).

Essa consigna se expressa na disputa da hegemonia, na organização e politização da classe, na articulação do movimento espontâneo como momento do consciente. É duro desafio para a luta sindical que, a todo instante, é pautada por demandas corporativas, econômicas, estritamente sindicais. É a natureza “economicista” do movimento sindical que fundamentou a necessidade de uma consciência “externa”, de vanguarda, que inocule no movimento espontâneo o toque consciente para superar tais fronteiras, passando à disputa do poder político capaz de mudar toda a ordem social.

Esse debate é relevante diante das vicissitudes que, desde 2013, trouxeram-nos à situação dramática que vivemos. A todo instante somos confrontados com bandeiras e problemas que – a despeito de sua justeza intrínseca – fazem parte de um contexto maior, e são muitas vezes utilizados para objetivos políticos ocultos e malsãos. Foi-se a época da inocência. A justeza depende do contexto, cuja análise concreta exige ver o conjunto das classes e de seus movimentos e desvendar o seu sentido, que não é unívoco. Uma bandeira progressista pode servir a um propósito reacionário.

De outra parte, um novo capítulo da comunicação de massas e de sua manipulação se desenhou no curso da 4ª Revollução Técnico Científica, com as redes sociais e a análise do comportamento humano através de super-computadores, assim como a “informação” a se originar de minguadas fontes, distribuída para todo o mundo. Como saber pelo que vale a pena lutar?!

Avanços e limites de um ciclo político que se encerrou

Um intento nesse sentido da consciência, foi potencializar a unidade de ação, com a construção das centrais sindicais, em meio aos avanços sociais e políticos da chegada de Lula ao governo central. Aparentemente, a classe chegara ao poder. Todavia, como percebemos, – e ensinam as “velhas lições” do caráter de classe do Estado – o poder tem muitas moradas e artifícios, que não admitem a ingenunidade diante das “regras do jogo”, pois a banca é deles. Por isso a importância da criação da nossa central classista e combativa, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil. Sua criação e a defesa de nossa autonomia já compreedia as limitações sindicais e a necessidade de ir além.

Grandes virtudes são o protagonismo político da CTB, sua ampliação para outros partidos e entidades independentes e expressivas da luta sindical. A CTB se destaca por lutar pela unidade de ação da classe trabalhadora, insiste e anima o Fórum das Centrais, que é a mais representativa frente, tanto em extensão da representação quanto pelo espectro ideológico. O sindicalismo classista, não obstante, atua nas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, o que explicita seu esforço unificador. Esta foi a senda que possibilitou um programa comum – a Agenda Prioritária da Classe Trabalhadora – uma bela plataforma nas eleições de 2018, em especial se essa atuação no âmbito das centrais enraizar-se, espraiar-se, se tiver tribunos(as) para dirigir-se à classe trabalhadora. Carecemos de união, trabalho de base, de sujeitos políticos e eleitorais.

Essse protagonismo e capacidade de pautar o conjunto da sociedade são a maior garantia às eleições de 2018, ainda sob ameaças, como ilustra a farsa judicial e midiática que levou à prisão do ex-presidente Lula para retirá-lo da disputa. Em parte por esse fator, vemos a dispersão das forças progressistas. Daí a importância de ver além do corporativismo, do economicismo e da despolitização, de lutar pela unidade nacional, democrática e popular. Exemplo disso é a luta concreta em defesa das estatais brasileiras como uma contribuição classista, orgânica, eleitoral e programática à Frente Ampla. Também a defesa do SUS, da Educação Básica e das Universidades Públicas favorecem a convergência de políticas públicas, necessidades da sociedade, do interesse e do desenvolvimento nacional e dos direitos da classe trabalhadora. É esse protagonismo político e eleitoral na construção da Frente que pode fazê-la Ampla E Popular, para dar centralidade à valorização do Trabalho no Projeto Nacional de Desenvolvimento, afirmando a necessária REVOGAÇÃO DA DEFORMA TRABALHISTA.

Há, portanto, um debate a pautar e a vencer. Uma batalha que exige mobilização e ampliação da representação sindical para muito além dos(as) sindicalistas liberados(as), chegando e ampliando CIPAS, conselhos, coletivos de delegados sindicais.

O movimento consciente é insubstituível

É exatamente aí que a jurupoca pia. A obstar essa força de massas estão vários fatores que só podem ser vencidos pela tal consciência de que Lênin falava. A consciência coletiva apontou obstáculos conhecidos na luta dos trabalhadores(as), não superados, que atingiram maior complexidade após a criação da CTB: 
→ A pirâmide invertida, cabeça grande, corpo pequeno, muito cacique, pouco índio – cupulismo, burocratismo, autonomização dos representados face seus representantes;
→ A incapacidade de se constituir o movimento sindical como força eleitoral e política – a contrariar avanços institucionais, políticos e materiais a partir de 2003;
→ A baixa renovação, a afastar a juventude, e o machismo, a afastar as mulheres da luta sindical. Não foi em grande medida a juventude trabalhadora sem representação e pertencimento que saiu às ruas em 2013?
→ A baixa formação marxista, o espírito de rotina, expressos no fato de a luta “não empolgar”, na perda da perspectiva revolucionária, no demissionismo e no derrotismo;
→ A baixa consciência em financiar a luta geral, inter-sindical, a excessiva dependência estatal e a baixa compreensão dos deveres à consolidação do projeto CTB;
→ A perda de espaço eleitoral, com a diminuição da bancada trabalhista no Congresso, a baixa projeção eleitoral das lideranças sindicais, outra face da pirâmide invertida.

Tais fenômenos são gerais. No caso da CTB, as direções e a própria frente sindical tem combatido tais debilidades, com correto diagnóstico, a partir dos Encontros Sindicais (3). O diagnóstico correto não ser implementado ilustra outra enfermidade. Como diria Mao: O liberalismo é a passividade (4). Essas dificuldades se referem a um período de muitas ilusões de classe, em um progresso democrático indefinido, evolucionista, na firmeza das “instituições da República”, no socialismo pela via eleitoral-institucional, que resvalaram para a incapacidade de articular um contra-poder para a defesa do processo.

No nosso sindicalismo classista: a) afirmou-se a dependência material sindical do Estado; b) cresceram enormemente as demandas institucionais, tornando tangível uma perspectiva de poder que se mostrou ilusão de classe; c) Deu-se enorme papel ao instituto da Presidência nos sindicatos e demais entidades, que assumiu status supostamente ideológico, anulando em parte decisões sobre a renovação depois do 2º mandato; d) O fim da Corrente Sindical Classista se deu em paralelo com os problemas no trabalho de base partidário nas categorias estratégicas, e com a hipertorfia da arena institucional face às da disputa de ideias e da luta social. Todos são fatores que favorecem tudo, menos o consciente a pautar a ação sindical.

Consertar o carro em movimento: as eleições de 2018

Como se vê, a despeito das virtudes da CTB, segue inescapável aos(às) comunistas afirmar a consciência externa, política, a inteligência coletiva, o trabalho sistemático e a disciplina como motores que elevem a luta sindical à disputa da hegemonia. No passado, a CSC cumpriu esse importante papel e preparou a década de vitórias e expansão. Hoje, a insuficiente estruturação partidária entre os trabalhadores é obstáculo para uma percepção mais clara de nossa política para milhões de trabalhadores que formam as categorias que representamos. Uma direção política mais efetiva do movimento sindical pelos comunistas é essencial num momento de grande crise financeira, que precisa ser superada a partir do relacionamento com nossa base social.

Muitas das dificuldades que vivemos se situam exatamente ao nível do elo que falta, ocupado no passado pela CSC. A nova solução precisa dar conta das novas condições de hoje, em uma CTB plural, que cresceu e se consolidou como referência nacional e latino-americana do sindicalismo classista. Parte da solução está em como as lideranças sindicais enfrentarão as eleições de 2018 e pautarão o debate público, inclusive na esquerda. É nessa disputa que precisamos organizar nossa influência, uma rede integrada e extensa de quadros de base e intermediários, não fragmentando, mas afirmando a importância da classe trabalhadora. E, estrategicamente, fortalecendo as secretarias sindicais, integrando-as em um trabalho planejado e permanente de construção partidária, com o Departamento de Quadros e a Secretaria de Juventude.

Paulo Vinícius é secretário das Relações de Trabalho da CTB e dirigente do Sindicato dos Bancários do DF.

Os artigos publicados na seção “Opinião Classista” não refletem necessariamente a opinião da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e são de responsabilidade de cada autor.

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(1) MARX, Karl e ENGELS, Friederich. Manifesto do Partido Comunista. Capítulo IV – Posição dos Comunistas para com os Diversos Partidos Oposicionistas. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/cap4.htm

(2) LENINE, Vladimir Ilitch. Que Fazer? Capítulo 3. Política Sindical e Política Social-democrata. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/lenin/1902/quefazer/cap03.htm

(3) O 4º Encontro Sindical Nacional, especialmente, é muito rico no diagnóstico dessas questões como se poderá depreender a partir da leitura de suas resoluções, disponíveis em https://goo.gl/jxphM7 1]18089.pdf

(4) TSETUNG, Mao. Contra o Liberalismo. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/mao/1937/09/07.htm

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