Assédio é sobre poder, não é sobre sexo

A gente fala tanto em união das esquerdas, prega tanto que a esquerda tem que se repensar, se juntar, nas esferas partidárias e institucionais, e a gente esquece que nem nas micro políticas do cotidiano a gente têm conseguido construir consenso. Nesse momento, por exemplo, tem muito coleguinha de esquerda preferindo alinhar o seu discurso ao da direita mais tacanha a dar a mão para a companheira feminista.

Não que o feminismo não possa ser questionado, repensado e não seja um pensamento plural – que o pensamento único a gente deixa para a direita fascista que sempre viveu disso. Só que o debate tem que ser feito de forma honesta e sem partir de premissas falsas que só querem deslegitimar um movimento que é essencial para quem se posiciona na vida contra a opressão, venha ela de onde vier.

E é uma premissa falsa dizer que o feminismo quer impor uma moral sexual repressora, reprimida – ao contrário: quando se briga pelo direito de dizer “não”, se fortalece o direito de dizer “sim”. Assédio é sobre poder, não é sobre sexo. É sobre o Estado e o patriarcado acharem que podem legislar sobre o corpo feminino. E é na cultura que esse estado de coisas se consolida.

Então se a gente não admite mais a sua piadinha machista ou o seu assédio, não é porque a gente é moralista e nem porque a gente não saiba se defender e seja vitimista. É porque a única forma de quebrar as estruturas de uma cultura que subalterniza o corpo da mulher é por dentro dessa cultura.

E as palavras importam muito nesse processo. A linguagem é uma ferramenta essencial para isso. Ou você acha que dá na mesma chamar uma criança de bandidinho, de menor, ou de criança em conflito com a lei? Achar que essa mudança vai encaretar o mundo ou deixá-lo menos livre sexualmente só vai beneficiar quem sempre mandou no mundo e continua mandando: os bilionários brancos como o Trump, por exemplo.

Mudar é difícil, dá trabalho, dói. Mas eu acredito na capacidade da esquerda, inclusive dos homens, de se preocupar com o outro. De ouvir, se repensar, de entender que não existe pauta identitária em jogo, o que existe é luta contra a opressão. E a luta de classes hoje não é possível de ser pensada se não questionar o patriarcado e o racismo.

As mulheres estão dizendo que está insuportável continuar vivendo assim. E estão incomodando os Trump, Bolsonaro, Alckmin, uns coitadinhos aí, tipo Rodrigo Constantino.

Não é possível que você prefira se aliar a eles por achar que gritar “gostosa” na rua é um ato de liberdade sexual. Agora, se você não consegue se repensar, se está mais a fim de mandar as feministas de volta para a cozinha, pode mandar, meu querido, porque ninguém mais vai te obedecer.

Camila Kfouri é psicóloga.

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