A Hydro e a falência do Estado

Há um provérbio que diz que “pessoas
medíocres falam de pessoas, pessoas
comuns falam de fatos, pessoas
inteligentes falam de ideias.”

Convém analisar a questão do vazamento de rejeitos químicos da Hydro e o comportamento do Estado brasileiro e paraense de várias formas. Algumas manifestações destacam o desastre ambiental com sua repercussão na população e no entorno. Outros destacam os R$ 7,5 bilhões de renúncia fiscal em virtude da renovação de benefícios sobre o consumo de energia elétrica da empresa, ofertados pelo governo estadual. Há os que dão maior ênfase para a não geração de empregos pelo setor que representa em torno de 30% do Produto Interno Bruto do Pará e ocupa menos de 0,5% da mão de obra. Há, ainda, aqueles que apenas querem promover o debate do palanque eleitoral em virtude das eleições que se avizinham.

Embora reconheça a procedência de todos os enfoques, é imperioso entender que está em andamento, há vários anos, um projeto de desconstrução do país e que, por consequência, decreta a falência do Estado nacional.

Não são poucas as manifestações a demonizarem o Estado brasileiro, defendendo que a esmagadora maioria das atividades seja entregue à iniciativa privada, na triste ilusão de que esses “grandes empreendimentos” cuidarão de tudo e de todos que lhes estejam afetos.

É, porém, infantilidade acreditar que empresas que têm o lucro como propósito venham a cumprir espontaneamente ou por “condicionantes” todas as suas obrigações, quer sejam ambientais, tributárias, trabalhistas etc., unicamente pelos belos e caridosos olhos da população necessitada ou pela consciência ecológica ambiental.

Não têm sido poucas as pessoas que perguntam: por que essas empresas não agem dessa forma nos países onde se sediam seus donos? Muito simples é a resposta: lá o Estado existe, é forte, respeitado e não transfere as suas responsabilidades ao empreendimento que deve ser acompanhado em todas as suas atividades, muito menos são concedidas “renúncias fiscais” e cobradas “condicionantes”, diga-se esmolas para justificar as vultosas cifras que desfalcam o Estado.

A carga tributária suportada pelos noruegueses é de mais de 42% do PIB do país, sua população é inferior a do Pará, seu PIB é próximo ao do Brasil. Lá, ao contrário daqui, investe-se no Estado, cuida-se da população, oferece-se estrutura e oportunidade ao empreendedorismo. Em contrapartida, fiscaliza-se e os infratores sabem que as transgressões serão punidas.

No Brasil, diferentemente, criou-se a cultura de que quanto menos Estado e menos tributos, melhor para a população. A indagação pertinente que se faz aí é: para qual população? Renúncias fiscais são concedidas a rodo. Sucateia-se a máquina pública, desvalorizam-se os servidores, desgastam-se as instituições e, ao final, cobra-se do agente público a eficiência sem lhes dar condições mínimas para o desenvolvimento de suas atividades. Não se quer, com isso, justificar falhas individuais.

O setor de extração mineral no Brasil tem carga tributária inferior a 5%, diante de uma carga tributária média suportada pela população de aproximadamente 33%, onde os mais pobres suportam carga norueguesa e os mais ricos pagam impostos equivalentes a paraísos fiscais.

Com o advento da Lei Kandir em 1996, que teve suas previsões inseridas na Constituição Federal em 2010, passou a vigorar a desoneração sobre produtos primários e semielaborados para o exterior. Apenas para aclarar o que estamos a expor: caso as operações da Hydro fossem tributadas, seriam gerados aproximadamente R$ 400 milhões de ICMS por ano ao Pará, cabendo aos municípios dos solos explorados cerca de 100 milhões. Imagine o leitor como seria a qualidade de vida das pessoas e os serviços oferecidos à população. Seria muito mais do que alguns litros de água e umas cestas básicas.

Hoje, num cenário de Estado exageradamente concessivo, ao contrário de desenvolvimento, são gerados desastres ambientais, estagnação da produção tecnológica diante da exportação de produtos primários, a não diversificação produtiva e, por fim, a falência da economia local, com desemprego desesperador.

A ideia do presente artigo é fazer de mais esse desastre ambiental com seus muitos significados um motivo para de fato se repensar o modelo de Estado, mãe dos grandes milionários do Brasil e algoz da população mais necessitada. Em outras palavras, evocar o caso para debater a causa em busca de soluções.

O fim da Lei Kandir, defendido pelo Sindifisco em campanhas institucionais, acompanhado de uma reforma tributária que tenha como princípio a carga tributária proporcional à riqueza das pessoas, assim como o fortalecimento do Estado e o alívio aos mais necessitados, é o desafio e a oportunidade que se apresentam a todos os agentes sociais que querem, verdadeiramente, mudar a trajetória do Pará e do país. A hora é de fazer diferente de tudo o que está aí.

Antônio Catete é auditor fiscal do Estado do Pará e presidente do Sindifisco.

Os artigos publicados na seção “Opinião Classista” não refletem necessariamente a opinião da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e são de responsabilidade de cada autor.

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