A escravidão, o golpismo e Lula

Em um país onde ainda funciona a lógica do escravismo, como competentemente demonstra o cientista social Jessé Souza, no brilhante livro “A elite do atraso – da escravidão à Lava Jato”, tudo que possa representar qualquer benefício para o povo, para a base da pirâmide social, enfrenta brutal reação e repressão por parte das forças hegemônicas, que detêm o controle do Estado, o que inclui o Parlamento, a Justiça e as Forças Armadas, além da mídia comercial e, logicamente, do mercado. Dominação total.

As elites brasileiras ainda vivem uma fase pré-capitalista. Acreditam que, para manter a supremacia e o poder, precisam subjugar, de forma humilhante e vil, a esmagadora massa da população cujo único bem que dispõe é a força de trabalho. Equívoco primário, porque só fazem mesmo é acirrar as contradições e os conflitos de classe.

Mesmo depois de quase duas décadas do Século XXI, terceiro milênio, o Brasil ainda não conseguiu imprimir relações econômicas, políticas, sociais e até normativas próprias do liberalismo que as elites nativas tanto exaltam, dizem acreditar e defender. O país está muito longe de uma democracia burguesa assentada no Estado de direito e nas garantias individuais.

O golpe jurídico-parlamentar-midiático de 2016, que interrompeu a mais longa experiência democrática nacional, de 31 anos, iniciada em 1985, com o fim da ditadura civil militar de 1964, reafirmou a incapacidade brasileira de combinar democracia com conquistas sociais. Toda vez que um projeto de governo, de nação, se aproximou, mesmo minimamente, das camadas populares, foi sempre golpeado pelas elites ultraconservadoras.

A história está aí. Foi assim em 1954 quando, as mesmas forças golpistas de hoje, empurraram o então presidente Getúlio Vargas para o suicídio. Em 1961, na renúncia de Jânio Quadros e aquele triste arranjo do parlamentarismo. Em 1964 com a ditadura civil militar que durou 21 anos e agora em 2016 com o impeachment sem crime de responsabilidade.

A argumentação do golpismo também é sempre a mesma, ou seja, de combate à corrupção. Um tema simpático, de fácil convencimento, que agrada em cheio a sociedade, em particular as classes médias, sempre ludibriadas e encantadas pelo falso moralismo das elites, que insistem em copiar e, por alienação política, tomá-las como modelo.

A liderança absoluta e disparada de Lula em todas as pesquisas presidenciais demonstra o completo fracasso da tentativa de fazer a sociedade acreditar que a corrupção é obra das camadas populares, dos dominados, dos contra-hegemônicos. Os fatos comprovam. O que há de corrompido, de apodrecido, na vida nacional, sofreu a influência e a ação nociva das obtusas e pré-capitalistas elites nativas.

A disputa que se trava hoje no Brasil, ao contrário de 1964, não é entre modos de produção, entre capitalismo e socialismo. Longe disso. O confronto ocorre nos marcos da economia de mercado e coloca em choque visões de mundo bem distintas. O neoliberalismo, com a tese do Estado mínimo, que não assume compromissos com a superação das desigualdades sociais, e a democracia social, que prioriza a esfera pública para os que mais necessitam.

O ódio a Lula não é pessoal, pelo fato de ser barbudo, não ter nível universitário, não falar inglês, nada disso. É um ódio de classe, por ele encarnar a esperança de libertação de milhões de brasileiros que teimam em resistir à escravidão repaginada, agora fantasiada de “modernização” neoliberal. Se for pela democracia, pelas urnas, o golpismo vai perder de novo. É a vontade do povo, que as elites tanto odeiam.

* Rogaciano Medeiros é jornalista.


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