“O objetivo do governo Temer é acabar com a comunicação pública”, acusa o presidente da EBC

Há uma guerra institucional acontecendo entre a Empresa Brasil de Comunicações (EBC) e o governo golpista de Michel Temer – quem diz isso é próprio presidente da organização, Ricardo Melo. Em entrevista ao Diário do Centro do Mundo nesta quarta-feira (14), o mandatário avaliou a situação crítica que circunda a comunicação pública brasileira, e não poupou palavras: “eu, pessoalmente, vou até o fim”.

A posição é uma afronta contra Temer, que desde o início de seu governo já tentou remover Melo em duas ocasiões diferentes, sem sucesso. A EBC realiza eleições internas para escolher seus presidentes, e tem seu líder protegido de interferências do Executivo. Seu mandato está previsto para durar quatro anos, e sua missão é dar voz àqueles que normalmente não teriam direito à se manifestarem em grandes veículos de comunicação.

“Num país como o Brasil, onde existe uma mídia oligarca na produção e praticamente monopolizada na opinião, há uma necessidade de outras vias de informação”, explicou. Ele criticou as ações do governo golpista, em particular a medida provisória que extinguiu o conselho curador que reunia as entidades ativistas na direção da EBC. “O objetivo [do governo Temer] é acabar com a comunicação pública, mesmo sem saber direito como. Entre os empregados da EBC, a maioria está comprometida com as causas mais antigas da empresa e são a favor da continuidade desses princípios”, continuou.

Melo lembrou que quase 95% dos funcionários da empresa são concursados, e que é justamente essa raridade de cargos de confiança que garante à empresa a sua independência. A medida provisória recente editada por Temer muda essa realidade. “Um presidente nomear e destituir diretores numa empresa pública a seu bel prazer para mim soa como aparelhamento. É a morte da EBC como um instrumento da comunicação pública”, concluiu.

A entrevista completa pode ser acessada aqui.

A vingança de Temer

A tentativa de afastamento de Ricardo Melo não é gratuita. Durante o processo de impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff, a EBC foi o único canal de TV aberta que agiu de forma isonômica com a defesa da presidenta, dando espaço equivalente para o contraditório e apontando as aberrações do processo.

Depois do primeiro afastamento de Melo, ele recorreu ao Supremo Tribunal Federal para revogar a medida autoritária que resultou em sua demissão, e imediatamente atendeu a antigas reivindicações das entidades sindicais da comunicação. Em menos de uma semana, reformou o Comitê Editorial de Jornalismo da empresa nos moldes de seu Manual de Jornalismo, dando oito dos doze assentos aos empregados. O caráter propositivo do grupo garantiu que os trabalhadores tivessem voz ativa nos rumos da produção de conteúdo.

Não à toa, um dos pontos principais da recente MP que alterou a estrutura da EBC envolve a dissolução desse mesmo comitê.

A linha de atuação do governo Temer e seu ministro das Comunicações, Gilberto Kassab, tem sido sempre na linha da destruição da atuação pública. Não bastasse a extinção do Ministério das Comunicações e o abandono dos critérios técnicos para a distribuição dos recursos da publicidade oficial, favorecendo os aliados do golpe, o próprio Michel Temer anunciou que pretende encaminhar projeto de lei para a extinção da TV Brasil. Ele também renovou a concessão pública da Rede Globo anos antes do necessário, e sem nenhum tipo de investigação quanto aos problemas na Justiça que a empresa enfrenta.

O estado de ânimos suscita a pergunta: por que é tão importante para Michel Temer asfixiar a comunicação pública no Brasil? Se a EBC sempre foi considerada um projeto secundário nos planos de governo, por que tornou-se uma das primeiras vítimas do autoritarismo da cúpula golpista?

A função da comunicação pública

A posição única dos órgãos públicos de comunicação é a de poder empregar dinheiro público sob formas de administração independentes do poder estatal, captando o melhor dos dois mundos. Ao não se submeter nem aos patrocinadores e nem a quem detém o poder político, essas emissoras e agências servem exclusivamente aos ideais da profissão. Assim é o caso da BBC da Inglaterra, da NPR nos Estados Unidos ou da NHK no Japão. A direção é composta pelos próprios funcionários, que devem trilhar carreiras internas para chegar aos postos de comando. Desta forma, a prioridade se torna a informação de qualidade e diversificada, sem dar prioridade para os desejos de grupos de poder.

A existência de uma organização nestes moldes está prevista inclusive na nossa Constituição Federal, que desde 1988 determina em seu capítulo V a existência da “complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. Na mistura desses três formatos, a comunicação dá voz a todos os setores da sociedade, algo fundamental para uma democracia verdadeira. Enquanto o capital fala pela iniciativa privada e os políticos usam as estatais, o público excluído e sem poder é representado pelas agências públicas.

Por Renato Bazan – Portal CTB (agradecimentos ao DCM)

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